INSERÇÃO DAS RESPOSTAS À ENTREVISTA SOLICITADA POR CARMEM LIDIA

                                                                                                            Dermeval Saviani

 

Minhas questões foram lidas na sala de aula e aprovadas pelos colegas e professor. Talvez tenha feito muitas questões mas, espero que entenda, que quero  aproveitar esta oportunidade. Antecipadamente agradeço por me proporcionar esta entrevista tão importante do ponto de vista pessoal quanto profissional.      

Carmem Lidia

Sobre o Ensino Médio:

· A análise de uma proposta curricular requer o questionamento acerca das finalidades políticas implícitas na seleção e organização do currículo. Esse questionamento não chegou até as escolas e aos professores da rede pública ( pelo menos nas que eu tenho conhecimento).

1.      Do  seu ponto de vista quais são as finalidades estabelecidas para o ensino médio?

R. Não ficou muito claro se a pergunta se refere a quais são, em meu entender, as finalidades do ensino médio ou se o que se quer saber é como vejo as finalidades estabelecidas (pela política educacional do governo atual) para o ensino médio. Como o cabeçalho deste grupo de perguntas se refere às “finalidades políticas implícitas na seleção e organização do currículo”, estou supondo que essa primeira pergunta alude às finalidades estabelecidas pelo  governo para o ensino médio e que ficam implícitas, isto é, não coincidem totalmente com aquilo que se explicita como sendo as finalidades desse ensino.

      Bem, a reforma do ensino técnico estabelecida pelo decreto federal de abril de 1997 parece ter como objetivo externamente, isto é, em relação a seus resultados sociais, um maior ajustamento ao suposto mercado de trabalho; e, internamente, isto é, em relação à própria política governamental, a redução de custos, quer dizer, a racionalização dos gastos com esse setor. Mais precisamente, o MEC considerava que o ensino técnico, especificamente a rede federal de escolas técnicas, era um luxo muito dispendioso e que servia mais como uma via de acesso das elites ao ensino superior do que para formar profissionais para atuar no mercado de trabalho. Foi com base  nessa justificativa que o MEC buscou atingir o objetivo de redução de custos que é, na verdade, a orientação principal da política educacional em vigor já que a política econômica está toda ela voltada para o ajuste das  contas públicas em consonância com os ditames das finanças internacionais, o que impede que se dê prioridade aos investimentos na área social. Daí, a separação entre o ensino médio geral e o ensino médio profissional preconizada pela reforma, o que os estudiosos desse nível de ensino consideraram um retrocesso já que retornava para antes das leis de equivalência da década de 50, baixadas para corrigir  a dicotomia decorrente das reformas Capanema do Estado Novo com o ensino secundário destinado às “elites condutoras” e o ensino profissional para os alunos oriundos da classe trabalhadora que aspirassem a um ensino ulterior ao nível primário.

2.      Estas finalidades atendem às necessidades da sociedade na formação geral e na preparação básica do indivíduo para o trabalho?

R.  Obviamente, as finalidades acima apontadas não atendem às necessidades da sociedade, seja a sociedade que queremos construir, seja esta mesma sociedade configurada a partir do desenvolvimento capitalista, de modo especial no contexto atual já de algum modo marcado pelo fenômeno denominado de “reconversão produtiva”. Com efeito, como já ficou demonstrado a partir do fracasso da tentativa de universalização compulsória do ensino profissionalizante encetada pela reforma decorrente da Lei 5692 de 1971, o mercado de trabalho requer, cada vez menos, técnicos com formação profissional específica demandando, ao contrário, crescentemente profissionais com formação geral mais ampla e de nível escolar mais elevado.

3.      No artigo 12 das Diretrizes Curriculares diz que não haverá dissociação entre a formação geral e a preparação básica para o trabalho. Como enfrentar essa dualidade implícita no ensino médio?

R.  Esse dispositivo parece se afastar da orientação do Decreto de abril de 1997 que, como já se apontou, determinou a separação entre o ensino médio geral e o ensino médio profissional. Aliás, a relatora do Parecer relativo às Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, Guiomar Namo de Mello, chegara a afirmar, reservadamente, que o decreto, sob esse aspecto , tinha se equivocado e que o MEC havia se precipitado ao baixá-lo nesses termos. No entanto, a meu ver, esse conflito é apenas aparente. Com efeito, aí se fala na não dissociação entre formação geral e preparação básica para o trabalho e não entre formação geral e formação profissional. Com efeito, desde a “reforma da reforma”, isto é, o Parecer no.76, de 1975, que procurou flexibilizar o Parecer no.45, de 1972, criando as habilitações básicas, passando pela Lei 7.044, de 1982, que revogou explicitamente a profissionalização universal e compulsória determinada pelo artigo 5º da Lei 5692, preparação básica para o trabalho é, de certo modo, sinônimo de formação geral. Em conseqüência, o dispositivo em referência não chega a se opor ao espírito do decreto. Ao contrário, ambos são perfeitamente compatíveis, tanto que o Parecer e respectiva Resolução foram homologados pelo ministro que, com certeza, não os teria ratificado se neles percebesse alguma dissonância com o decreto por ele baixado.

4.      As diretrizes contemplam um projeto educacional democrático e favorável à cidadania?

R. Entendo que as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio não passam de uma peça de retórica com pouco ou nenhum influxo sobre o desenvolvimento do ensino nas escolas. (Fiz uma breve apreciação desse Parecer quando da Audiência Pública realizada em São Paulo, quando tive apenas dez minutos para apresentá-la. Para seu conhecimento, estou anexando essa apreciação). Aliás, a política educacional atual dispõe de dois instrumentos relativos à questão curricular: os “parâmetros curriculares” e as “diretrizes curriculares”. Os primeiros são de responsabilidade exclusiva do MEC. As segundas são de responsabilidade do Conselho Nacional de Educação sujeitas, porém à homologação do Ministro da Educação. Os parâmetros, formalmente, não são obrigatórios. Constituem orientações que o MEC elabora para subsidiar as escolas e os professores na elaboração dos currículos respectivos. Já as diretrizes são obrigatórias devendo, pois, ser seguidas tanto pelas escolas ao montar as respectivas grades curriculares como pelos professores no desenvolvimento das suas disciplinas. Na prática, porém, os parâmetros resultam obrigatórios dado, por um lado, o detalhamento de sua formulação, o que leva os professores a adotá-los como uma espécie de muleta tendo em vista facilitar e seu trabalho; e, por outro lado, tendo em vista que o MEC, responsável, segundo a LDB, pela avaliação do rendimento escolar em todos os níveis, tenderá a utilizar os parâmetros curriculares por ele mesmo propostos, como critérios de avaliação. Assim, se as escolas não os adotarem, correrão o risco de uma avaliação negativa. Inversamente, as diretrizes, embora obrigatórias, na prática deixam de sê-lo, uma vez que, à vista do caráter de generalidade, em nome da flexibilidade e respeito à suposta autonomia das escolas, em que são formuladas, não se constituem em diretrizes precisas a serem seguidas pelas escolas mas indicações que as escolas traduzirão diferentemente ao organizar os próprios currículos. Aliás, como declarou a própria relatora do Parecer na mencionada Audiência Pública, o que a LDB não fechou o Conselho Nacional de Educação também não irá fechar. Assim, o que deveria ser apenas sugestão (os parâmetros curriculares), se converte em determinações obrigatórias; e o que deveria ser constituir em normas obrigatórias (as diretrizes curriculares), se reduzem a indicações genéricas que terão o efeito prática de meras sugestões. Nesse contexto, em contraste com a retórica adotada, tanto o Decreto como os Parâmetros Curriculares e as Diretrizes Curriculares não favorecem um projeto democrático e favorável à cidadania, como procurou demonstrar a dissertação de mestrado de Marcos Francisco Martins, condensada no livro Ensino Técnico e Globalização: cidadania ou submissão?. Campinas, Autores Associados, 2000. Aí o autor conclui que “o Decreto 2208/97 não tem como finalidade a construção da cidadania. Essa atual regulamentação do ensino profissional e técnico foi forjada e tem como implicação condições que não satisfazem os pressupostos de cidadania e nem as condições necessárias para que uma atitude seja considerada cidadã”(p.104).

 · As propostas pedagógicas das escolas, segundo as diretrizes  curriculares, deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para os conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

5.      Quais são os requisitos necessários para um ação educativa interdisciplinar?

R.  À parte a crítica ao conceito assim como à utilização da interdisciplinaridade como uma espécie de panacéia, os requisitos podem ser considerados em dois níveis: no nível das condições organizacionais, seria necessário que as escolas contassem com professores fixos, isto é, com jornada de tempo integral ou pelo menos de 20 ou 30 horas de modo a que eles se identificassem com as respectivas escolas e dispusessem de tempo para participar da gestão da escola, das reuniões pedagógicas, envolvendo a proposta curricular, a avaliação do andamento das disciplinas com a verificação do grau em que cada uma vem concorrendo para se atingir os objetivos do conjunto do currículo escolar. A partir daí, poderiam ser preenchidas as exigências no nível do próprio trabalho pedagógico que envolveriam a articulação entre as diferentes disciplinas no trato das questões comuns e tendo em vista o objetivo maior para as quais elas deveriam concorrer e que normalmente se traduz na expressão, já desgastada pelo uso acrítico, da formação integral do aluno.

6.      Como contextualizar Psicologia e Sociologia?

R. À vista do cabeçalho, parece que se trataria, no caso, da Filosofia e Sociologia e não da Psicologia e Sociologia. É isso?

      A contextualização é um dos princípios de organização curricular preconizados pelo Parecer que discorreu sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Embora a contextualização, via de regra, se refira às relações de determinado fenômeno com a realidade mais ampla relativa aos aspectos social, econômico e político, numa palavra, ao contexto histórico, o parecer parece estar se referindo mais propriamente ao conjunto das atividades da escola, aí incluído o currículo como um todo assim como as particularidades da comunidade em que está inserida a escola. Contudo, se pensarmos na contextualização em termos mais amplos, como me referi acima falando no contexto histórico o que, obviamente, abarca também o segundo sentido ligado à realidade global da escola, veremos que Filosofia e Sociologia envolvem conteúdos que diretamente, em si mesmos, já põem a questão da contextualização. Com efeito, a Sociologia está referida aos aspectos sociais em sentido abrangente envolvendo, assim, o econômico e o político que, se adequadamente abordados, se entrelaçam em perspectiva histórica. A Filosofia, por sua vez, está referida ao desenvolvimento da realidade humana em seu conjunto na forma como ela é refletida pelos próprios homens e, assim, tornada consciente enquanto realidade pensada que se expressa em conceitos elaborados que se busca fundamentar racionalmente. Por outro lado, cabe observar que, na LDB, Filosofia e Sociologia não figuram explicitamente como disciplinas e, menos ainda, como disciplinas obrigatórias. Ali elas figuram mais como objetivo do que como componentes curriculares, já que se afirma que “os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. E, se o Conselho Nacional de Educação, no exercício da prerrogativa de definir as diretrizes curriculares do ensino médio estava autorizado, nos termos da LDB, a dar a ambas essas áreas um tratamento na forma de componentes curriculares obrigatórios, não foi esse o entendimento da relatora. Ela defendeu a idéia de que os tais “conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania” podem ser atingidos independentemente da inclusão dessas matérias no currículo como disciplinas.

 

 · As escolas sempre tiveram problemas com essas disciplinas em decorrência da ausência de profissionais para ministrarem essas aulas. Agora, os professores com habilitação em Pedagogia podem ministrá-las ou até  mesmo estudantes.

7.      Como o senhor visualiza esta questão?

R.  O que ocorre com essas áreas do conhecimento (evito o termo disciplina  pelas razões expostas na resposta anterior) não é diferente do ocorre com as demais. Com efeito, a praxe tem sido a de se dar preferência aos professores com licenciatura específica e, não havendo estes, àqueles com licenciatura de área correlata e que tenham tido, no histórico escolar do curso em que se formaram, aquele componente curricular; e, não se encontrando também estes, admite-se que os estudantes da área que ainda não concluíram o curso, possam assumir as aulas disponíveis. Observe-se, no entanto, que o fato do texto da LDB estar marcado por ambigüidade, mantida no Parecer que fixou as Diretrizes Curriculares, acaba por agravar essa situação. Com efeito, não se tendo garantida a presença dessas áreas, enquanto disciplinas específicas, na composição curricular, o estímulo para cursar as licenciaturas correspondentes resulta reduzido.

8.      Como orientar os professores em serviço para essa interdisciplinaridade e contextualização?

R.  Como se pode depreender das respostas anteriores, uma orientação adequada em relação a esses dois princípios, supõe a criação de condições organizacionais que, no entanto, a política educacional atual não se propõe a garantir. Assim, o enunciado de princípios como esses acaba funcionando como um álibi para o governo que passa a idéia de que a política educacional tem uma orientação correta; se as coisas não funcionam a culpa é dos próprios educadores que resistem a implementá-la. Repete-se a batida técnica de culpar as vítimas. Entretanto, se a política educativa em curso é desfavorável, isso não significa que não se possa tomar iniciativas no âmbito das escolas e, mesmo, de determinadas redes escolares, por exemplo, num Município, num Estado, numa Delegacia de Ensino, etc. que visem garantir algumas condições básicas em termos de organização assim como uma orientação, através das coordenações pedagógicas, sobre as formas de desenvolver o trabalho pedagógico em consonância com esses princípios.

 

Sobre seus Artigos:

·  Sobre a natureza e a especificidade da educação ® Neste artigo, o senhor diz que a educação se situa numa categoria de trabalho não material cujo produto não se separa do ato de produção.

9.      Se o trabalho educativo é um ato de produção, qual é o produto desse trabalho?

R.  De um modo geral, o produto do trabalho educativo é o ser humano educado. Em termos específicos, podemos chegar a outras formas de determinação do produtos do trabalho educativo. Assim, o produto do trabalho educativo das escolas elementares nas sociedades modernas seria o cidadão alfabetizado que incorporou, com a cultura letrada, os conceitos básicos das ciências naturais e sociais. O produto do trabalho educativo em determinado curso superior, por exemplo, o de engenharia, estaria dado pelos engenheiros, e assim por diante. A resposta parece simples, não é mesmo? Ou será que não entendi bem o significado da pergunta? Se for este o caso peço que me esclareça melhor.

 

· Competência Política  e Compromisso Técnico ( o pomo da discórdia e o fruto proibido) ® Neste artigo, o senhor diz utilizar o método compreensivo  para verificar o grau de divergência ou convergência entre os dois autores citados.

10.   Gostaria que o senhor fornecesse mais informações esse método, já que o senhor o desenvolve tão bem.

R.  O chamado método compreensivo implica a atitude de empatia com o objeto investigado de modo a apreendê-lo pelas suas características internas que seriam, por assim dizer, vivenciadas pelo sujeito que investiga. Corresponde, pois, na análise de determinada obra, ao chamado momento da imersão em que se procura penetrar na sua estrutura apreendendo a sua lógica interna e, portanto, o significado na forma, a mais fiel possível, que lhe foi atribuída pelo seu próprio autor. Essa é uma condição preliminar indispensável para, num momento seguinte, se tomar a distância necessária para fazer a crítica da obra analisada. Um dos principais formuladores do “método compreensivo” foi o filósofo e teórico da história e da pedagogia, Wilhelm DILTHEY que, partindo da distinção entre as ciências da natureza e as ciências do espírito, considerava que as primeiras são descritivas, isto é, abordam seu objeto de modo externo, ao passo que as segundas são compreensivas, isto é, abordam seu objeto de modo interno. Assim, se é possível conhecer os fenômenos físicos apenas descrevendo as suas características, o mesmo não se dá, por exemplo, com um fenômeno histórico. Para se conhecer, digamos, a Grécia Antiga não basta descrevê-la; é necessário compreendê-la. E, para isso, se faz mister desenvolver uma atitude que implica, por assim dizer, transportar-nos para aquela época e procurarmos vivenciá-la, sendo esta a única maneira que nos permitiria, por fim, compreendê-la, isto é, conhecê-la na sua realidade mesma. O “historicismo” de Dilthey assim como o “vitalismo” de Bergson são correntes que integraram um movimento de crítica ao cientificismo do final do século XIX e início do século XX, caracterizado por uma tendência idealista e, de certo modo, irracionalista. Obviamente, me posiciono criticamente em relação a essa tendência, considerando o “método compreensivo” não como o método de conhecimento próprio das ciências humanas, mas como um momento no processo de análise, em especial do pensamento expresso em obras escritas, momento esse que nos permite, colocando-nos na perspectiva do autor analisado, compreender a sua posição apreendendo a lógica que a sustenta de modo a poder, no momento seguinte, efetuar a crítica evitando o risco de distorcer o seu pensamento imputando-lhe idéias que não são suas ou criticando-o a partir de uma lógica que não é aquela que presidiu à construção de seu pensamento. Isto não significa que não seja válida uma crítica externa, mas apenas que é importante distinguí-la da crítica interna; e, para isso, se faz necessário compreender o pensamento que se analisa, isto é, apreender a sua lógica interna.

11.  O saber escolar da Guiomar N. de Mello referido e explicado pelo senhor no artigo como aquele que constitui objeto de sistematização e transmissão através da escola, portanto sinônimo de saber sistematizado, é ainda hoje o mesmo saber escolar que estamos desenvolvendo no interior das nossas escolas públicas, mesmo em decorrência de tantas modificações que a elas foram impostas?

R.  É preciso distinguir. Uma coisa é a “natureza” do saber escolar, isto é, o que o constitui enquanto tal. Outra coisa são as suas formas de manifestação, isto é, o modo como ele se realiza em circunstâncias determinadas. Ora, aquilo que é próprio do que estamos denominando de “saber escolar” é a organização do saber elaborado, produzido historicamente, para efeitos do processo de transmissão-assimilação no espaço e tempo escolares. Ou seja, a cultura letrada, o saber sistematizado está disponível socialmente mas, para ser assimilado pelas crianças, ele precisa ser dosado e seqüenciado, isto é, organizado de uma forma tal que se torne assimilável progressivamente pelos educandos através do trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas. Esta é uma característica inerente ao funcionamento das escolas e está, pois, presente em todas as formas de organização escolar. Na sua realização prática, entretanto, essa característica própria das escolas irá se manifestar de diferentes maneiras, de forma mais ou menos consistente, trabalhada segundo orientações metodológicas distintas conforme as corrente pedagógicas que influenciam direta ou indiretamente, de modo orgânico ou difuso, a organização escolar.

 

· O Ensino Básico e o processo de democratização da sociedade brasileira ® Neste artigo, o senhor faz uma pergunta crucial – como podem os educadores escolares se inserir no processo de democratização da sociedade brasileira? Gostaria de reformular esta questão:

12.  Como nós educadores podemos nos inserir no processo de municipalização em decorrência da nova LDB e dentro do processo de democratização da sociedade brasileira? É possível promover a interação desses dois processos?

R.  Argumenta-se que o processo de municipalização do ensino é um fator de democratização uma vez que, por ser a estância municipal um poder mais próximo da população que freqüenta as escolas, facilitaria a participação e o controle, por parte da comunidade, sobre os atos do poder público e sobre as próprias escolas. Entretanto, essa interpretação não é tranqüila porque, por outro lado, o poder local é também mais suscetível ao clientelismo, isto é, à promiscuidade entre o público e o privado e ao usufruto de privilégios pelos membros da comunidade mais próximos dos governantes. Considero, contudo, que, para além dessas razões mais imediatas, cabe considerar que a importância da educação no processo de democratização consiste em tornar acessível a todos o saber elaborado, homogeneizando as condições de participação nas várias instâncias em que está organizada a sociedade. Por isso a educação básica não é uma questão de interesse apenas local tendo sido tratada, pelos principais países, a partir do século XIX como uma questão de caráter nacional. No limite, trata-se, na verdade, de uma questão de interesse de toda a humanidade. A experiência histórica mostra que os principais países evoluíram do tratamento da educação elementar como uma questão municipal para a sua organização em âmbito nacional. Com efeito, a implantação de um sistema de ensino amplo e orgânico, capaz de universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo, sem o que não se poderá falar seriamente em democratização, é uma tarefa que implica condições técnicas e financeiras que ultrapassam, de longe, a capacidade dos municípios e que implica o esforço conjunto das três instâncias públicas, a municipal, a estadual e a federal, sob coordenação nacional.

 

Questões Pessoais:

13.  Como o senhor se caracteriza como Educador? Por vocação ou profissão? Como tudo começou?

R.  A resposta a essa questão seria longa. Penso que, para você ter uma idéia dessa história, pode ser útil a leitura desse texto que lhe envio, em “attach”, o qual resultou do memorial que apresentei ao concurso de professor titular na UNICAMP em fevereiro de 1993.

14.  Quais são suas expectativas e preocupações atuais em relação à educação brasileira?

R.  Minha expectativa continua sendo a de reverter o quadro negativo em que nos encontramos e que vem resistindo às várias tentativas de mudança que se buscou introduzir a partir da organização e mobilização dos educadores levadas a efeito a partir dos anos 80. Minha preocupação principal reside na constatação de que nunca antes um governo dispôs de condições tão favoráveis como o atual para encetar um grande programa de transformação da situação educacional do país e, no entanto, talvez seja este o governo que mais entraves vem criando ao desenvolvimento da educação pública, não apenas pelas omissões, mas pelas diversas ações que vem empreendendo apoiado num grande esquema publicitário.

15.  Gostaria de saber mais sobre seus últimos trabalhos. O que tem feito?

R.  Penso que, em lugar de tentar registrar aqui as atividades que venho desenvolvendo ultimamente, será mais prático transmitir-lhe o arquivo com um relatório resumido que encaminhei ao CNPq, em fevereiro último, em razão da bolsa de produtividade em pesquisa a mim concedida. Por esse resumo você terá uma idéia do que venho fazendo. Dessa forma, acredito que a pergunta ficará respondida e, certamente, de forma mais completa do que eu poderia fazer ao condensar a resposta em algumas poucas linhas neste espaço.

 

                                                Campinas, domingo de páscoa, 23 de abril de 2000.

 

                                                                  Dermeval Saviani.