SOBRE A PESQUISA E O ENSINO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

 

Dermeval Saviani

José Claudinei Lombardi

 

            Recentemente Ariano Suassuna, em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, página 1-2 da edição de 18/05/99, escreveu:

 

            "Certa vez, numa aula que dei em São Paulo, afirmei que as universidades brasileiras pensam e ensinam de costas para o nosso país. E, para provar o que estava dizendo, pedi que levantassem a mão os que, ali, pelo menos uma vez, já tivessem ouvido falar em Kant. Todo mundo fez o gesto que eu solicitara. Fiz então, pedido igual em relação a Matias Aires - e somente um rapaz ergueu, de novo, a mão que baixara. Comentei: 'Estão vendo? Matias Aires, o maior pensador de língua portuguesa do século 18, era brasileiro e paulista; e, aqui, só é conhecido por aquele rapaz que ali está!'. Voltei-me para o solitário e indaguei: 'Você já leu Matias Aires? Ou somente ouviu falar sobre ele, em alguma das aulas que recebeu?'. O rapaz respondeu: 'Nem uma coisa nem outra. Conheço o nome porque, aqui em São Paulo, moro na rua Matias Aires'.

 

            Muitos anos antes observação semelhante foi feita, quando, em 1924, por ocasião do lançamento da primeira edição do livro Vida e Obra do Barão de Macahubas, seu autor - Isaías Alves - relatou no “Prólogo” o seguinte episódio:

 

            "Certa vez, em curso de aperfeiçoamento de professores do Distrito Federal, lemos algumas frases de Macahubas e pedimos às educadoras que nos indicassem o autor de cada pensamento. Surgiram os nomes de Dewey, Thorndike, Ferrière, Kilpatrick, e outros notáveis educadores modernos.

            Grande foi a surpresa quando apresentamos as obras originais de Macahubas em 1882 e 1883, acerca da 'Lei Nova' do ensino infantil e do ensino da aritmética. O brasileiro eminente era desconhecido. Os estrangeiros mais modernos dominavam, com as idéias que ele defendera e propagara, a atenção dos mestres da infância".

           

No Boletim anterior, nesta mesma “primeira seção”, procurou-se colocar em debate a questão da especificidade do objeto da História da Educação. Desta vez, através dos dois excertos acima, gostaríamos de continuar chamando a atenção para a importância da pesquisa, mas também de colocar um destaque especial para o ensino da História da Educação Brasileira. Apesar do muito que ainda há a se pesquisar na história educacional brasileira, não se pode deixar de reconhecer que, em razão do avanço significativo da investigação na área, o conhecimento já disponível sobre as mais diferentes épocas e temáticas ampliou-se consideravelmente. Entretanto, no âmbito do ensino dessa disciplina, inclusive no nível universitário, mesmo aquilo que já se tornou conhecido dos especialistas, não tem sido incorporado como objeto de estudo, de forma a socializar os conhecimentos produzidos sobre a educação e a escola.

Os dois textos citados inicialmente, apesar da diferença de enfoque entre seus dois autores, pretendem alertar para o fato de que, ainda na situação contemporânea,  não deixa de ser pertinente o alerta levantado por seus autores, independentemente de concordarmos ou não com as afirmações por eles feitas. Isto é, não se trata, propriamente, de se discutir se Matias Aires foi ou não o maior pensador de língua portuguesa do século 18 ou se o Barão de Macahubas foi ou não um defensor da pedagogia moderna avant la lettre. O que está em questão é a amplitude e a qualidade dos conhecimentos transmitidos aos alunos e, de modo geral, o desconhecimento da própria história e, mais especificamente, de nossa história educacional, bem como dos nossos pensadores e pedagogos.

 

É  neste ponto que surge o seguinte problema: em que grau os resultados das investigações devem ser integrados aos programas de ensino das disciplinas escolares? A resposta ao problema comporta vários encaminhamentos e possibilidades, cada qual iluminado por diferentes opções teórico-metodológicas. Entre esses, desde a perspectiva que temos adotado, é necessário ponderar que, além dos estudos de corte analítico sobre temas ou momentos específicos, também devem ser elaborados estudos de caráter sintético e que permitam articular, numa compreensão de amplo alcance, os resultados das investigações particulares. Com efeito, no vigoroso desenvolvimento das pesquisas histórico-educativas nos últimos quinze anos, têm prevalecido as análises específicas - recortes particulares, microscópicos e fragmentários dos objetos de pesquisa histórico-educacional. Sem negar a importância desses estudos para o conhecimento de nossa realidade histórico-social, parece que é de grande relevância a realização de estudos sintéticos e globalizantes. Salvo melhor juízo, é a partir de estudos sintéticos que os avanços no campo da pesquisa poderão integrar os programas escolares, viabilizando a sua socialização e, em conseqüência, a elevação do nível de conhecimento da nossa história pela população.

 

            O que pensam os colegas a respeito dessas questões? Esperamos poder, no próximo boletim, publicar a sua manifestação sobre os problemas levantados neste e no boletim anterior ou sobre qualquer outro tema considerado de interesse para o incremento do debate, em alto nível, das idéias com as quais procuramos compreender e praticar a história da educação.