A IDÉIA DE SISTEMA NACIONAL DE ENSINO E AS DIFICULDADES PARA SUA REALIZAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XIX
Dermeval Saviani
Após a proclamação da independência política
do Brasil, em 1822, instalou-se no ano seguinte a "Assembléia Constituinte
e Legislativa" que pretendeu equacionar o problema da organização
nacional do ensino através de um projeto que procurava estimular
o surgimento de um tratado completo de educação. Esse projeto,
entretanto, não chegou a ser aprovado. Com a dissolução
da Assembléia Constituinte, D. Pedro I outorgou a primeira Constituição
do Império do Brasil que se limitou a afirmar, no Inciso 32 do último
artigo (179) do último Titulo (VIII), que "a instrução
primária é gratuita a todos os cidadãos".
Reaberto o Parlamento em 1826, retoma-se a discussão do problema
nacional da instrução pública surgindo várias
propostas, entre elas o projeto de Januário da Cunha Barbosa que
pretendia regular todo o arcabouço do ensino distribuído
em quatro graus: o primeiro, denominado "Pedagogias", abrangeria os conhecimentos
elementares necessários a todos independentemente da sua situação
social ou profissão; o segundo, os "Liceus", se voltaria para a
formação profissional compreendendo os conhecimentos relativos
à agricultura, à arte e ao comércio; o terceiro, denominado
"Ginásios", compreenderia os conhecimentos científicos gerais,
como introdução ao estudo aprofundado das ciências
e de "todo gênero de erudição"; finalmente, o quarto
grau, isto é, as "Academias" se destinaria ao ensino das "ciências
abstratas e de observação, consideradas em sua maior extensão
e em todas as mais diversas relações com a ordem social,
compreendendo-se além disso o estudo das ciências morais e
políticas, contempladas debaixo do mesmo ponto de vista", como reza
o artigo 5º do projeto (Annaes do Parlamento Brazileiro: Camara dos
Deputados, 1826, tomo II, sessão de 16 de junho de 1826, pp.150-160,
apud XAVIER, 1990, p.39). Na seqüência, o projeto detalhava
as finalidades e o conteúdo da cada grau de ensino.
Essa proposta nem chegou a entrar em discussão. Em lugar de
idéias mais ambiciosas, a Câmara dos Deputados preferiu ater-se
a um modesto projeto limitado à escola elementar o qual resultou
na Lei de 15 de outubro de 1827 que determinava a criação
de "escolas de primeiras letras". A lei estabelecia, ainda, que nessas
escolas os professores ensinariam "a ler, escrever, as quatro operações
de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções,
as noções mais gerais de geometria prática, a gramática
da língua nacional, os princípios de moral cristã
e de doutrina da religião católica e apostólica romana
proporcionadas à compreensão dos meninos".
A referida lei, se tivesse viabilizado, de fato, a instalação
de escolas elementares "em todas as cidades, vilas e lugares populosos"
como se propunha, teria dado origem a um sistema nacional de instrução
pública. Entretanto, isso não aconteceu. Em 1834, por força
da aprovação do Ato Adicional à Constituição
do Império, o governo central se desobrigou de cuidar das escolas
primárias e secundárias transferindo essa incumbência
para os governos provinciais. Conforme o testemunho de José Ricardo
Pires de Almeida, as Assembléias Provinciais procuraram logo fazer
uso das novas prerrogativas votando "uma multidão de leis incoerentes"
sobre instrução pública (ALMEIDA, 1989, p.64), afastando-se,
portanto, da idéia de sistema entendido este como "a unidade de
vários elementos intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto
coerente e operante"(SAVIANI, 1996, p.80). A idéia de sistema, em
âmbito nacional, virá a ser retomada a partir do Regulamento
de 1854. Tentemos, pois, a partir de uma breve caracterização
do conceito de sistema educacional, detectar a sua presença no século
XIX brasileiro.
1. A idéia de sistema nacional de ensino no Brasil do século
XIX.
O termo "sistema" é empregado no âmbito da educação
com acepções diversas resultando daí o seu caráter
equívoco. No entanto, partindo-se da educação como
fenômeno fundamental, é possível superar esse caráter
e captar o seu verdadeiro sentido. Em verdade, a educação
aparece como uma realidade irredutível nas sociedades humanas. Enquanto
assistemática, ela é indiferenciada não se distinguindo
ensino, escola, graus, ramos, padrões, métodos, etc. Quando
surge a necessidade de organizá-la em um todo articulado e coerente,
então busca-se explicitar a concepção de educação
enunciando os valores que a orientam e as finalidades que se pretende atingir,
sobre cuja base se definem os critérios de ordenação
dos elementos que integram o processo educativo. E surgem as distinções:
ensino (enquanto transmissão de conhecimentos e habilidades), escolas
(enquanto locais especialmente preparados para as atividades educativas),
articulação vertical e horizontal (graus e ramos), etc. A
partir desses critérios, pode-se classificar o ensino. Exemplificando:
a) do ponto de vista da entidade administrativa, o ensino pode ser
classificado em: federal, estadual, municipal, particular, etc.;
b) do ponto de vista do padrão, em: oficial, oficializado ou
livre;
c) do ponto de vista do grau de ensino, em: primário, médio
,superior;
d) do ponto de vista da natureza do ensino, em: comum ou especial;
e) do ponto de vista do tipo de preparação, em: geral,
semi-especializado ou especializado;
f) do ponto de vista dos ramos de ensino, em: comercial, industrial,
agrícola, etc.
Além dos mencionados, outros critérios poderiam ser levantados.
Daí derivam expressões como: "sistema geral de educação",
"sistema federal de ensino", "sistema oficial", "sistema público",
"sistema escolar", "sistema de ensino superior", etc. Na verdade, porém,
o uso dessas expressões é impróprio; um exame mais
detido revelará que, em todos esses casos, se trata propriamente
do sistema educacional, considerado sob este ou aquele prisma, nesse ou
naquele aspecto. Além do mais, o conceito de sistema denota um conjunto
de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que
implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas
que decorrem dos valores que estão na base da finalidade preconizada.
Assim, sistema implica organização sob normas próprias
(o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns (isto é,
que obrigam a todos os seus integrantes).
Por outro lado, nas sociedades modernas a instância dotada de
legitimidade para legislar, isto é, para definir e estipular normas
comuns que se impõem a toda a coletividade, é o Estado. Daí
que, a rigor, só se pode falar em sistema, em sentido próprio,
na esfera pública. Por isso as escolas particulares integram o sistema
quando fazem parte do sistema público de ensino, subordinando-se,
em conseqüência, às normas comuns que lhe são
próprias. Assim, é só por analogia que se pode falar
em "sistema particular de ensino". O abuso da analogia resulta responsável
por boa parte das confusões e imprecisões que cercam a noção
de sistema, dando origem a expressões como sistema público
ou particular de ensino, sistema escolar, sistema de ensino primário,
profissional, etc. Em verdade, a atitude que tem prevalecido entre os educadores
em geral e especialmente entre os legisladores tem sido a de evitar a questão
relativa ao esclarecimento preciso do conceito de sistema, considerando-o
como algo constantemente referido mas cujo sentido permanece sempre implícito,
supostamente compreendido mas jamais assumido explicitamente.
À vista do exposto, procuraremos verificar como a idéia
de sistema nacional de ensino se manifestou no contexto brasileiro do século
XIX, independentemente de que o conceito de sistema seja assumido explicitamente.
Como já indicado, a idéia de sistema começa a
se delinear mais claramente a partir do Regulamento de 1854, decorrente
da "Reforma Couto Ferraz". Esse Regulamento, baixado em 17 de fevereiro
de 1854 pelo Ministro do Império Luiz Pereira do Couto Ferraz, estabelecia
em seu artigo 64 a obrigatoriedade do ensino, determinando uma multa de
20.000 a 100.000 réis aos pais ou responsáveis por crianças
de mais de sete anos que a elas não garantissem o ensino elementar,
dobrando-se a multa em caso de reincidência, à vista de verificação
feita a cada seis meses. Considerando a vigência do Ato Adicional,
esse Regulamento vigorava para o Município da Capital do Império.
Entretanto, ele atribuía ao Inspetor Geral a tarefa de "coordenar,
de cotejar os quadros e as informações que os presidentes
das províncias enviam cada ano ao governo central e de fazer sobre
isto um relatório detalhado dos progressos realizados em cada província,
comparando-os com o município da capital"(ALMEIDA, op. cit., p.90).
Fica, pois, evidente a idéia de considerar a organização
da instrução pública do Rio de Janeiro, capital da
Império, como um modelo para as províncias delineando-se,
a partir daí, um sistema nacional de ensino. Mas o Regulamento de
1854 teve efeitos muito limitados tendo o Barão de Mamoré,
em 1886, considerado que "o programa nele estabelecido nunca fora cumprido"
(PAIVA, op.cit., p.71).
Em 1856 Abílio César Borges, o futuro Barão de
Macahubas, na condição de Diretor Geral dos Estudos da Província
da Bahia, registrou em longo relatório sua rejeição
ao caráter provincial da instrução pública
defendendo a idéia de que "só um sistema geral de Instrução
Pública, sabiamente formulado e estabelecido, poderá, permita-me
a expressão, nacionalizar a Nação Brasileira" (Relatório
de 1856, p.11, apud ALVES, 1942, p.25). E em 1875, em discurso dirigido
ao Ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira,
conclamou-o a criar o Ministério da Instrução afirmando
que "a instrução pública deste vasto Império
reclama já, e merece assás uma pasta especial" (IBIDEM, p.34).
Assinalava, assim, a necessidade de uma organização específica
de âmbito nacional como instância articuladora e coordenadora
das atividades de ensino em todo o país, tratando-o, pois, como
um verdadeiro sistema nacional.
Os debates sobre a importância da educação e a
necessidade de sua organização em âmbito nacional se
intensificam nas duas últimas décadas do Império.
Pode-se dizer que a idéia de sistema nacional de ensino se faz presente
nos projetos de reforma apresentados desde o final da década de
60 assim como nos textos preparados para o Congresso de Instrução
que deveria ser realizado em 1883 mas que, por falta de verbas (o Senado
negou a concessão dos recursos) não se realizou. A obra de
Liberato Barroso, A Instrução Pública no Brasil, publicada
em 1867, situa-se no marco inicial desse movimento. Nessa obra o autor
defende, além da obrigatoriedade escolar, a educação
como elemento de conservação do status quo e fator da integridade
nacional, posicionando-se ao mesmo tempo contra os liberais e os católicos
retrógrados (BARROSO, 1867, pp.10-13).
Na direção da ampla reorganização do ensino
vão surgir as propostas de Paulino de Souza em 1869, de João
Alfredo em 1871 e, fechando a década de 70, a Reforma Leôncio
de Carvalho, decretada em 1879, a qual ensejou o famoso parecer-projeto
de Rui Barbosa , uma obra monumental abrangendo todos os aspectos da educação,
desde o jardim de infância ao ensino superior (MACHADO, 1999, pp.99-150).
Também de 1882 é o projeto de Almeida Oliveira para quem
a questão do ensino deveria ser considerada a primeira entre as
primeiras. Um outro projeto que, a exemplo dos de Rui Barbosa e Almeida
Oliveira não teve andamento, foi o do Barão de Mamoré
apresentado em 1886.
Com a proclamação da República em 1889 e o conseqüente
advento do regime federativo, a instrução popular foi mantida
sob a responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas
em Estados. Entretanto, já em 1890 foi instituída por Benjamin
Constant, através do Decreto 981 de 8 de novembro, a reforma dos
ensinos primário e secundário que, embora limitada ao Distrito
Federal, poderia se constituir em referência para a organização
do ensino nos Estados. Entretanto, essa reforma, que pretendeu conciliar
os estudos literários com os científicos, foi amplamente
criticada, inclusive pelos adeptos da corrente positivista da qual Benjamin
Constant era um dos principais líderes (CARTOLANO, 1994, pp.123-179).
Assim, a tentativa mais avançada em direção a um sistema
orgânico de educação foi aquela que se deu no
Estado de São Paulo. Ali se procurou preencher dois requisitos básicos
implicados na organização dos serviços educacionais
na forma de sistema: a) a organização administrativa e pedagógica
do sistema como um todo, o que implicava a criação de órgãos
centrais e intermediários de formulação das diretrizes
e normas pedagógicas bem como de inspeção, controle
e coordenação das atividades educativas; b) a organização
das escolas na forma de grupos escolares, superando, por esse meio, a fase
das cadeiras e classes isoladas, o que implicava a dosagem e graduação
dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados
por um corpo relativamente amplo de professores que se encarregavam do
ensino de grande número de alunos, emergindo, assim, a questão
da coordenação dessas atividades também no âmbito
das unidades escolares. Ora, a reforma da instrução pública
paulista, implementada entre 1892 e 1896, pioneira na organização
do ensino primário na forma de grupos escolares, procurou preencher
os dois requisitos apontados. Tratava-se de uma reforma geral que instituiu
o Conselho Superior da Instrução Pública, a Diretoria
Geral e os Inspetores de Distrito, abrangendo os ensinos primário,
normal, secundário e superior (REIS FILHO, 1995, pp.90-202).
Mas a reforma paulista também não chegou a se consolidar.
Em 1º/8/1896 o cargo de diretor geral da Instrução Pública
e a Secretaria Geral são suprimidos pela Lei n. 430. E um ano depois,
em 26 de agosto de 1897, a Lei n. 520 extingue o Conselho Superior de Instrução
Pública e as inspetorias distritais, ficando a direção
e a inspeção do ensino sob a responsabilidade de um inspetor
geral, em todo o Estado, auxiliado por dez inspetores escolares. Assim,
"volta-se à prática, anterior à reforma, de em cada
município a fiscalização das escolas estaduais ser
exercida por delegados ou representantes das municipalidades"(IBIDEM, p.
128).
Essa involução na reforma do ensino paulista coincide
com a consolidação do domínio da oligarquia cafeeira
que passa a gerir o regime republicano por meio da política dos
governadores. Seria preciso esperar o período final da República
Velha com a crise dos anos 20 para se retomar as reformas estaduais da
instrução pública e recolocar o problema do sistema
de ensino que passará a ter um tratamento em âmbito nacional
após a Revolução de 1930.
Cumpre, pois, examinar, ainda que sucintamente, as dificuldades para
a realização da idéia de sistema educacional no Brasil
do Século XIX. Em suma, trata-se de saber por que a idéia
de sistema nacional de ensino, que vinha se realizando nos principais países
no século XIX, permaneceu, no Brasil, no rol das "idéias
que não se realizam" (SCHELBAUER, 1998).
2. Sobre a materialidade das idéias pedagógicas
Considerando-se o conceito de idéias pedagógicas como
se referindo às idéias educacionais consideradas, porém,
não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real
da educação orientando e, mais do que isso, constituindo
a própria substância da prática educativa (SAVIANI,
in FARIA FILHO, 1999, p.15), verifica-se que o sistema de ensino, enquanto
idéia pedagógica, implica a sua realização
prática, isto é, a sua materialização. Assim,
a idéia de sistema nacional de ensino foi pensada no século
XIX enquanto forma de organização prática da educação,
constituindo-se numa ampla rede de escolas abrangendo todo o território
da nação e articuladas entre si segundo normas comuns e com
objetivos também comuns. A sua implantação requeria,
pois, preliminarmente, determinadas condições materiais dependentes
de significativo investimento financeiro. Emerge, assim, uma primeira hipótese
explicativa das dificuldades para a realização da idéia
de sistema nacional de ensino no Brasil do século XIX: as condições
materiais precárias decorrentes do insuficiente financiamento do
ensino. Com efeito, durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império,
entre 1840 e 1888, a média anual dos recursos financeiros investidos
em educação foi de 1,80% do orçamento do governo imperial,
destinando-se, para a instrução primária e secundária,
a média de 0,47%. O ano de menor investimento foi o de 1844, com
1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução
primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55%
para a educação e 0,73 para a instrução primária
e secundária (CHAIA, 1965, pp.129-131). Era, pois, um investimento
irrisório. Não obstante isso, a consciência da importância
da educação se expressava na percepção de que
"na instrução pública está o segredo da multiplicação
dos pães, e o ensino restitui cento por cento o que com ele se gasta"
(Almeida Oliveira, sessão de 18 de setembro de 1882 do Parlamento,
apud CHAIA, 1965, p.125). E propostas não faltaram. Tavares Bastos,
considerando que "não há sistema de instrução
eficaz sem o dispêndio de muito dinheiro", propôs em 1870:
"Assim como cada habitante concorre para as despesas de iluminação,
águas, esgotos, calçadas, estradas e todos os melhoramentos
locais, assim contribua para o mais importante deles, a educação
dos seus concidadãos, o primeiro dos interesses sociais em que todos
somos solidários". A partir daí apresenta um plano de criação
de dois tipos de impostos: o local e o provincial. Essa proposta foi retomada
por Rodolfo Dantas, em 21/08/1882 e pela Comissão de Instrução
Primária, tendo como relator Rui Barbosa (IBIDEM, pp.82-87). Mas,
dada a "mania de se quererem os fins sem se empregarem os meios necessários
e próprios..."(Moraes Sarmento, 1850) resultou que "nenhum país
tem mais oradores nem melhores programas; a prática, entretanto,
é o que falta completamente"(Agassiz, 1865). E Rui Barbosa constatava
em 1882: "O Estado, no Brasil, consagra a esse serviço apenas 1,99%
do orçamento geral, enquanto as despesas militares nos devoram 20,86%".
Dessa forma, o sistema nacional de ensino não se implantou e o país
foi acumulando um grande déficit histórico em matéria
de educação.
3. A mentalidade pedagógica
Entendida como a unidade entre a forma e o conteúdo das
idéias educacionais, a mentalidade pedagógica articula a
concepção geral do homem, do mundo, da vida e da sociedade
com a questão educacional. Assim, numa sociedade determinada, dependendo
das posições ocupadas pelas diferentes forças sociais,
estruturam-se diferentes concepções filosófico-educativas
às quais correspondem específicas mentalidades pedagógicas.
Na sociedade brasileira da segunda metade do século XIX, não
obstante as diversas correntes filosóficas e, na expressão
de Silvio Romero, o bando de idéias novas que agitou o país
especialmente nas duas últimas décadas do Império
(CRUZ COSTA, 1967, pp.97-122), três mentalidades pedagógicas
se delinearam com razoável nitidez: as mentalidades tradicionalista,
liberal e cientificista. Destas, as duas últimas correspondiam ao
espírito moderno que se expressava no laicismo do Estado, da cultura
e da educação (BARROS, 1959, pp.21-36). Nesse contexto, era
de se esperar que os representantes dessas mentalidades de tipo moderno,
empenhados na modernização da sociedade brasileira, viessem
a formular as condições e prover os meios para a realização
da idéia de sistema nacional de educação. No entanto,
a mentalidade cientificista de orientação positivista, declarando-se
adepta da completa "desoficialização" do ensino, acabou por
se converter em mais um obstáculo à realização
da idéia de sistema nacional de ensino, o mesmo ocorrendo com a
mentalidade liberal que, em nome do princípio de que o Estado não
tem doutrina, chegava a advogar o seu afastamento do âmbito educativo.
Conclui-se, pois, que as dificuldades para a realização
da idéia de sistema nacional de ensino se manifestaram tanto no
plano das condições materiais como no âmbito da mentalidade
pedagógica. Assim, o caminho da implantação dos respectivos
sistemas nacionais de ensino, através do qual os principais países
do Ocidente lograram universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo,
não foi trilhado pelo Brasil. E as conseqüências desse
fato se projetam ainda hoje deixando-nos um legado de agudas deficiências
no que se refere ao atendimento das necessidades educacionais do conjunto
da população.
Referências:
ALMEIDA, J.R.P., História da instrução pública
no Brasil (1500-1889). Brasília/São Paulo, INEP/PUC-SP, 1989.
ALVES, I., Vida e obra do barão de Macahubas. São Paulo,
Nacional, 1942.
BARROS, R.S.M., A ilustração brasileira e a idéia
de universidade. São Paulo, Boletim No. 241 da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP, 1959.
BARROSO, J.L., A instrução Pública no Brasil.
Rio de Janeiro, Garnier, 1867.
CARTOLANO, M.T.P., Benjamin Constant e a instrução pública
no início da República. Campinas, UNICAMP, Tese de Doutorado,
1994.
CHAIA, J., Financiamento escolar no segundo império. Marília,
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, 1965.
CRUZ COSTA, J., Contribuição à história
das idéias no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1967.
MACHADO, M.C.G., O projeto de Rui Barbosa: o papel da educação
na modernização da sociedade. Campinas, UNICAMP, Tese de
Doutorado, 1999.
PAIVA, V.P., Educação popular e educação
de adultos. São Paulo, Loyola, 1973.
REIS FILHO, C., A educação e a ilusão liberal.
Campinas, A. Associados, 1995.
SAVIANI, D., Educação brasileira: estrutura e sistema.
Campinas, Autores Associados, 1996.
SAVIANI, D., "História das idéias pedagógicas".
In: FARIA FILHO, L.M.(Org.),
Pesquisa em história da educação. Belo Horizonte,
HG Edições, 1999.
SCHELBAUER, A.R., Idéias que não se realizam: o debate
sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá,
EdUEM, 1998.
XAVIER, M.E.S.P., Poder político e educação de
elite. São Paulo, Cortez, 1990.