PROF. CASEMIRO DOS REIS FILHO, EDUCADOR COMPLETO NA LUTA PELA ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE

No último dia 24 de fevereiro perdemos o Prof. Casemiro dos Reis Filho. Educador pleno, Casemiro se formou em 1950 concomitantemente na Escola de Comércio D. Pedro II e como professor normalista no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves, uma escola estadual de São José do Rio Preto. Em 1954 concluiu o Curso de Pedagogia na USP, tendo freqüentado também o Curso de Economia até o terceiro ano quando teve que interromper para assumir a cadeira de Sociologia em Registro. Professor entusiasta e rigoroso, exerceu atividades no curso primário do Instituto de Educação Caetano de Campos, como substituto (1952-1953). Atuou no nível secundário como professor efetivo de Sociologia na Escola Normal de Registro (1953-1954), de onde se removeu para o Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves de São José do Rio Preto (1955-1958), cargo que acumulou com a cadeira de Educação da Escola Normal de Monte Aprazível (1956-1958), obtida através de um novo concurso público. Posteriormente lecionou também no Colégio IV Centenário (1965-1967) e no Instituto de Educação Alexandre de Gusmão (1966-1981) ambos no bairro do Ipiranga, em São Paulo, capital. No nível superior foi professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto (1958-1964), depois integrada à UNESP, na PUC-SP (1967-1984) e na UNICAMP (1976-1981). Lamentavelmente, em 15 de outubro de 1980 foi vitimado por um derrame que o obrigou a afastar-se da prática docente. Em síntese, como assinalei na abertura de seu depoimento ao número 8 da Revista da ANDE, em 1984, trata-se de uma das mais completas figuras de educador que a nossa história registra. Normalista, pedagogo e doutor em educação, professor primário, secundário e universitário, Casemiro dos Reis Filho é um historiador da educação que, talvez por isso mesmo, está sempre atento ao momento presente. Capta com lucidez as tendências conjunturais sabendo não apenas compreendê-las mas inserir-se nelas praticamente com vistas à realização de suas potencialidades sempre num sentido progressista.
De acordo com o professor Casemiro, o valor da educação está em “apontar nossos limites e, ao mesmo tempo, descobrir nossas possibilidades. O educador deve ter capacidade para ver essas duas coisas. Educar é o ato de promover o outro nas características legítimas dele. Só o verdadeiro educador descobre tanto as fraquezas como os aspectos positivos do aluno. Cabe a ele denunciar estas fraquezas e desenvolver seus pontos fortes. Eu não seria outra coisa na vida porque considero educação uma atividade encantadora” (ANDE, n. 8, 1984, p.38). Com esse entendimento, Casemiro não transigia com a qualidade. Por isso era considerado um professor exigente, o que ele interpretava como uma maneira de não enganar os alunos: “eu gostava de acompanhá-los e chegava a ser duro com os mais fracos. Acontece que, se o aluno não sabe como aprender, cabe ao professor descobrir o modo de ensiná-lo” (ANDE, n. 8, 1984, p.37).
Essa dedicação à causa da educação bem como sua luta por uma escola pública de boa qualidade acessível a todo o povo brasileiro lhe custou a perda de todos os seus cargos, inclusive aqueles obtidos por concurso público, quando sobreveio o golpe militar de 1964. Durante o período em que esteve preso veio a lume o seu trabalho Índice Básico da Legislação Educacional Paulista que foi, porém, imediatamente recolhido por ser considerado altamente subversivo!
Casemiro participou ativamente da Campanha em Defesa da Escola Pública por ocasião da discussão do projeto da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional na segunda metade da década de 1950. Aliás, foi isso, entre outras qualidades, que chamou a atenção de José Massafumi Nagamine, então Secretário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento da PUC-SP, levando-o a convidá-lo para trabalhar nessa universidade. E o professor Casemiro agarrou com entusiasmo essa oportunidade contribuindo decisivamente para transformar a PUC-SP, de uma escola acanhada que era na época, numa grande universidade que veio a desempenhar papel importante no desenvolvimento da cultura e da educação brasileira no período em que as universidades públicas se encontravam tolhidas em suas ações pelo controle autoritário exercido sobre elas pelo regime militar. Assim, a sua participação na PUC-SP, longe de significar uma inflexão em sua luta pela escola pública, denota exatamente o contrário: a ocupação desse espaço, de certo modo privilegiado, como ponta de lança para potencializar ainda mais aquela luta. Um indicador disso foi o convite que recebi, em 1975, para integrar o corpo docente da recém-fundada Universidade Federal de São Carlos. Consultei-o sobre esse convite cuja aceitação implicaria o meu afastamento da PUC-SP e ele me respondeu sem titubear: não perca essa oportunidade. Trata-se de uma universidade pública e, além disso, jovem e federal. Essa experiência poderá ser muito importante para os objetivos que nós buscamos de desenvolvimento da cultura e educação brasileiras em benefício da população trabalhadora deste país. E, na mesma época, ele próprio aceitou também o convite da UNICAMP vindo a lecionar nesta universidade onde foi um dos fundadores do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Com a morte do Prof. Casemiro perdemos um grande aliado na luta em defesa da escola pública, de modo geral, e da universidade pública, em particular. Ainda no depoimento concedido à Revista da ANDE, em 1984, indagado sobre sua visão da escola pública, Casemiro respondeu que “ela sempre foi uma coitadinha como tudo que é do povo no Brasil: muito maltratada”. E lembrou um dito de Fernando de Azevedo para quem a educação é igual à guerra: ou se faz a sério ou se perde. E concluiu: “Então, uma das maneiras que a classe dominante descobriu para perder e desvalorizar a educação foi tratar mal a escola, a começar pelo professor”. Diante disso, lhe foi perguntado se ele acreditava que era possível reconstruir essa escola, ao que ele imediatamente respondeu: “Isto é uma exigência. A luta que temos que empreender é uma exigência cívica e como há uma reserva muito grande de civismo no nosso povo, eu, como educador, tenho que acreditar nisto: no renascimento da escola. Senão, a gente morre junto...”.
Casemiro morreu sem ter tido a alegria de ver essa exigência atendida. Mas seu exemplo permanecerá como um estímulo constante para redobrarmos nossos esforços na luta pelo renascimento da escola; da escola pública; da universidade pública.

Campinas, 28 de março de 2001.

Dermeval Saviani.
FE-UNICAMP.