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Escolas Cívico-Militares: A extrema-direita avança, a escola pública retrocede

A aprovação do projeto de lei pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), que autoriza escolas cívico-militares, representa um retrocesso preocupante na educação pública na mesma medida em que mostra o avanço da extrema-direita sobre a escola pública. A medida, que tem como objetivo implementar uma gestão militarizada em instituições públicas de ensino básico, tem sido defendida com argumentos rasos e já comprovadamente frágeis, como mostra outras experiências prévias. Enquanto isso, ignora de maneira perigosa
questões estruturais que atravessam a educação em um país marcado pelas desigualdades sociais.

Na esteira desse projeto caminham outros cujo teor se assemelha na forma e no conteúdo. Conforme apontaram Nora Krawczyk (FE/Unicamp) e Marcia A. Jacomini (FEUSP/USP) no artigo A “blitzkrieg” de Tarcísio contra a Educação, a educação pública está sob forte ataque da extrema-direita.

Militarização da Educação Básica é falsa solução A defesa do programa de escolas cívico-militares alega que a militarização da gestão escolar tende a melhorar a disciplina e, consequentemente, o desempenho escolar dos estudantes. É nesse sentido que a proposta está direcionada, fundamentalmente, para as escolas públicas que têm demonstrado desempenho inferior à média estadual. Não é à toa que muitas dessas escolas de “baixo desempenho” estão localizadas nas regiões de maior vulnerabilidade social e econômica. Ou seja, o foco da política de militarização é justamente onde os problemas sociais são mais latentes. No entanto, estudos e relatórios têm demonstrado que tais iniciativas não resultam necessariamente em melhorias significativas, isto é, não há evidências concretas de que as escolas cívico-militares apresentem desempenho superior ao das escolas civis quando se levam em conta outros fatores sociais e econômicos. Além disso, a nota assinada por diversas entidades que lutam em defesa da educação pública na ocasião do Decreto n. 9.465/2019 que criou a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, vinculada à Secretaria de Educação Básica, aponta que as variáveis que mais influenciam o desempenho escolar estão relacionadas a fatores como qualificação dos professores, infraestrutura escolar e apoio psicopedagógico, e não à gestão militar.

Repressão aos estudantes na ALESP é uma amostra grátis A repressão violenta da Polícia Militar aos estudantes e professores que se manifestavam contra a aprovação do projeto de lei na ALESP é uma afronta aos direitos democráticos, à livre manifestação e ao debate público e uma evidência do autoritarismo por trás da proposta e do modus operandi do atual governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). As imagens e relatos de agressões e detenções durante a manifestação de estudantes nos corredores da Assembleia Legislativa são profundamente preocupantes. A resposta truculenta às vozes contrárias revela a profunda intolerância à crítica e à participação da sociedade no debate público, em especial dos setores mais interessados no projeto de lei.

Se o argumento central por trás da defesa das escolas cívico-militares é a questão da disciplina nas escolas, a atuação da Polícia Militar nos corredores da ALESP já nos mostram como os estudantes serão tratados nas escolas geridas por um corpo de policiais militares da reserva.

Problemas Socioeconômicos: Ignorados e Perseguidos A tentativa de militarizar as escolas frequentemente ignora as verdadeiras causas das dificuldades enfrentadas por estudantes e professores, que estão enraizadas em problemas sociais estruturais. A questão da indisciplina nas escolas, apontada pela pesquisa realizada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior como um dos principais “problemas” enfrentados pelos professores e professoras da educação básica, precisa ser pensada a partir de uma perspectiva multifatorial. A própria noção de indisciplina precisa ser colocada em perspectiva crítica. Afinal, o que esperamos que o sistema escolar faça com os nossos jovens? Corpos e mentes disciplinados e dóceis para servir ao capital? Se a resposta a essa questão for afirmativa, teremos perdido uma enorme batalha, e talvez a guerra, por uma educação emancipadora.

Além disso, a proposta das escolas cívico-militares, centrada na questão do disciplinamento dos estudantes, vincula-se ao projeto autoritário que assola cada vez mais o espaço para a produção de conhecimento socialmente embasado e para o pensamento crítico que está por trás das diferentes iniciativas dos setores mais conservadores da sociedade brasileira que avançam sobre a educação: o Escola Sem Partido, o Novo Ensino Médio, o empreendedorismo como eixo curricular da educação básica, a plataformização, financeirização e a privatização da educação pública. Em suma, o que se pretende, mais uma vez, é tratar da questão social como caso de polícia, fato nada novo na história brasileira.

Ao invés de garantir investimentos em políticas públicas que visem à redução das desigualdades, ao fortalecimento da rede de proteção social e ao aumento dos recursos para a educação, a solução apresentada é de caráter punitivo e disciplinar. A proposta não considera que a vulnerabilidade social e econômica demanda uma articulação complexa de políticas que envolvem inclusão, acesso, permanência e uma reformulação curricular amplamente debatida
com a sociedade, e não repressão e controle.

A aprovação do programa de escolas cívico-militares pela ALESP representa uma séria ameaça ao caráter inclusivo e democrático da educação pública. A falta de evidências concretas que sustentem a eficácia desse modelo, somada à repressão violenta contra manifestações legítimas, expõe uma agenda que desvia o foco dos verdadeiros problemas do
que oferece soluções reais. É fundamental que as políticas educacionais sejam baseadas em estudos sólidos e na promoção de um ambiente de aprendizagem acolhedor e democrático, e não em respostas autoritárias e punitivas.

Em um momento em que a educação brasileira precisa de investimentos sólidos e de um olhar atento às questões sociais que afetam o desempenho escolar, a implementação de um modelo cívico-militar surge como uma resposta simplista e ineficaz, mas bastante produtiva do ponto de vista eleitoral. Tarcísio acena para a extrema-direita enquanto posa de bolsonarista moderado. A resistência estudantil e docente é, portanto, não apenas legítima, mas necessária para a defesa de uma educação pública emancipatória.

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Fontes:

1. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Relatório sobre o Impacto das Escolas Cívico-Militares no Brasil. 2021.

2. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). Análise Crítica das Escolas Cívico-Militares. 2020.

3. Jornal Folha de S.Paulo. Polícia reprime manifestação de estudantes contra escolas cívico-militares em SP. 2024.

4. G1. Protesto contra escolas cívico-militares tem confronto com PM na ALESP. 2024.

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Ricardo Normanha,

Pós-doc FE/Unicamp