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Selma Venco | Atualizado em 15/06/2021 - 13:34 FE Publica

Por que meu professor não é negro?

Foto de Victor Moriyama
Foto de Victor Moriyama

 

A leitura do livro de Bernardine Evaristo “Mulheres, garotas e outras” (Cia. das Letras, 2019) traz um debate pungente sobre identidade, racismo, preconceito, feminismo, gênero, mundos do trabalho, o rural e o urbano e tantos outros temas articulados à trama escrita com sagacidade e delicadeza.

Me inspiro no título da coluna de uma das personagens que escreve em um jornal universitário: “Por que meu professor não é negro?” (p.83) e por essa razão não o faço segundo minha opção que seria: Por que minha professora não é preta? dada a feminilização da profissão; e também coadunada à classificação do IBGE ao considerar negras as pessoas pretas e pardas.

Tenho me dedicado a pesquisar o trabalho dos profissionais da educação no setor público, especialmente professoras e professores e as formas de precariedade nas relações de trabalho, que desaguam em processos de precarização das condições de vida. Em estudo[1] que desenvolvo atualmente articulo a flexibilização na contratação de professores da educação básica nas redes estaduais de todo o país ao sexo, à cor, à idade e ao grau de vulnerabilidade social no território em que trabalham.

Desde cedo estudamos em geografia que a população brasileira (ou será que o tema não é mais abordado?) e aprendemos que o Brasil é um país majoritariamente preto e pardo; e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) reafirmou, em 2019, que pouco mais de 4 em cada 10 brasileiras e brasileiros se autodeclaram brancos.

Mas o Brasil com seu passado escravagista construiu e alimentou o racismo e suas diversas facetas, entre elas a cultura do branqueamento. Convido a relembrar a frase proferida por Ronaldo, fenômeno, em 2005: “Eu, que sou branco, sofro com tamanha ignorância. A solução é educar as pessoas”,  [2] uma ilustração do que intenciono aqui refletir.

Os dados sobre a cor dos docentes em todo o Brasil apontam que esses são majoritariamente brancos, mesmo em estados cuja população preta e parda predomina. E, ainda: são mais presentes entre os concursados e, portanto, nega uma série de estudos que indica o predomínio de pretos e pardos no mercado informal e em ocupações e profissões com baixa remuneração e prestígio social.

Tal constatação a partir dos dados oficiais produzidos pelo Inep suscita diversas questões: a) historicamente os pretos e pardos tiveram acesso restrito ao nível superior no país e, portanto, tal limitação é refletida na profissão. Mas, mesmo com políticas de ampliação de vagas nas universidades federais, a exemplo do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e do Financiamento Estudantil (FIES), das mensalidades módicas nas licenciaturas praticadas pelas faculdades privadas entre outros, ainda assim, os pretos e pardos estariam fora dos bancos universitários e, consequentemente, não integrariam a docência?; b) os docentes teriam tendência a aderirem à lógica do branqueamento e se autodeclararem brancos? E, então, a educação teria fracassado na construção do pensamento crítico sobre cor e etnia e não logrado êxito em destruir a construção social de séculos, inclusive entre aquelas e aqueles que optaram pela profissão de educar?; c) os responsáveis pelo efetivo preenchimento do censo escolar  negligenciam o preenchimento do dado assinalando a “resposta certa”? O depoimento de uma professora ilustra a indagação: ela relata que ao ingressar como docente na educação básica estadual paulista, preencheu o cadastro funcional na escola e assinalou cor preta e seguiu para a sala. A secretária correu em sua direção, pois ela havia indicado a resposta errada.

Até aqui apresentamos dados que demonstram serem brancos os professores e professoras no Brasil da educação básica. A quem teve acesso ao ensino universitário fica a pergunta: quantas professoras e professores pretos ou pardos você teve ao longo do curso?

 

Selma Venco

Professora do Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais

Faculdade de Educação - Unicamp 

 

[1] Pesquisa financiada pela FAPESP, processo nº 2019/01552-3.

[2] Constante no processo N.º 70057658593. Disponível em < www.mprs.mp.br&nbsp;› adins › arquivo › parecer> Acesso em 06.jan.2021.