As tensões no espaço escolar são inúmeras, não se caracterizam apenas por conflitos entre Professor (a) e Aluno (a), ela também pode se apresentar na forma de um desprezo por certa temática social que desejamos tratar em sala. Muitas das vezes nossos estudantes manifestam esse desprezo simplesmente ignorando nossa proposta de abordagem de tal temática. Nós, Professoras e Professores, percebemos a relevância na abordagem pois, caso fosse apresentada e debatida, certamente teríamos uma sociedade que valorizaria determinados atores sociais ou seria menos conflituosa. Quando nossos estudantes rechaçam nossa intenção em abordar, instalasse o conflito.
Certa vez, recebi em meu celular um vídeo que apresentava diversas entrevistas de alunos e alunas de diversos países. Eles respondiam ao seguinte questionamento: “ qual mulher cientista você conhece? ” Tal pergunta resultou numa resposta bem incisiva: “isso não se aprende na escola”.
Eu e meu companheiro somos professores e ficamos sensibilizados com essa resposta, passamos a refletir sobre a não devida valorização social da ciência e dos seus devidos atores, principalmente as mulheres.
Nossas reflexões expandiram e passamos a nos questionar se nossos alunos e alunas saberiam informar sobre a importância das mulheres e principalmente das mulheres negras na produção de conhecimento científico. Sendo assim, procuramos traçar um planejamento de aula que motivasse nossos (as) alunos (as) a refletirem e perceberem nos discursos sociais a possível desvalorização das referidas mulheres.
Em nosso planejamento resolvemos partir de um questionamento simples, mas, bem objetivo para nossos (as) Alunos (as). Perguntamos: “quais as mulheres cientistas que vocês conhecem? ”. “Quais são as mulheres negras cientistas que vocês conhecem? ”. A resposta em coro uníssono foi: “não conhecemos, Professora”. “Mulheres negras só fazem faxina”.
Diante dessas respostas estabelecemos um acordo com a turma: vamos tratar em nossas aulas sobre mulheres que apresentaram a sociedade algum trabalho, em qualquer área. Surgiu a proposta de trabalho: “essas mulheres mudaram o mundo”.
A ideia em traçar esse planejamento e essa ação pautou-se na possibilidade de instituirmos em nossos (as) alunos (as) novos significados e valores as mulheres. Para alguém estabelecer novos significados torna-se necessário a essa pessoa desenvolver novas experiências sociais sendo assim, elaboramos situações didáticas favorecedoras do desejo de aprender, situações que fossem provocativas pois, ao provocarmos acreditamos na possibilidade de desencadear processos que certamente ativariam a capacidade crítica e criadora dos sujeitos envolvidos.
O espaço escolar possui características interessantes, nele conseguimos reunir diversos atores em um tempo/espaço o que torna mais fácil o processo de interlocução entre os atores. Nesse contexto, nosso planejamento e nossa ação pedagógica acaba se constituindo em algo com uma intencionalidade mais reflexiva e que demanda uma interlocução muito bem mediada pelo (a) Professor (a) pois, estamos lidando com sujeitos possuidores de consciência, construtores da sua história e possíveis artífices de uma nova história social.
A Escola é uma instituição social sendo assim, apresenta responsabilidade pelo processo de socialização dos sujeitos que a ela recorrem. Através do espaço escolar podemos estabelecer relações com educandos (as) de modo a apresentar as diversas tensões existentes nessa sociedade e utilizando as interlocuções acreditamos ser possível iniciarmos um processo de desconstrução dessas tensões.
Nossa ação na turma para desenvolver o tema proposto se caracterizou por constituir grupos de estudo na sala durante as aulas. Nesses grupos estimulamos o uso de inúmeros meios de pesquisa: livros, revistas, jornais impressos e buscas de informações através da internet dos celulares.
Como Professora referência da turma adotei postura de transitar por todos os grupos sempre promovendo intervenções e interlocuções, nunca deixei avançar sem reflexão um comentário que indicasse preconceito ou discriminação. Acreditamos que, sendo a escola um local propício ao debate, cabe a nós, Professores, atuarmos como mediadores sempre, procurando uma intervenção de forma a apresentar a todos que ali participam outras possibilidades de se perceberem, de aceitarem diferenças e de aceitarem o outro com mais tranquilidade e naturalidade.
A culminância do projeto foi a apresentação dos trabalhos gerados pelos grupos aos próprios colegas da sala. A apresentação criou uma dinâmica diferente na turma pois, foi abandonada as explicações única e exclusivamente memorizadas, no seu lugar apareceram apresentações intensas, com muitos relatos pessoais e outros não pessoais, todos os relatos bem fundamentados e alguns carregados de emoção. A notícia desse trabalho nessa turma se espalhou pela escola e o trabalho foi apresentado em outras turmas.
Acreditamos que esse trabalho desenvolvido nessa escola da cidade de Contagem/MG contribuiu de modo significativo para provocar em nossos alunos e alunas reflexões acerca das mulheres em nossa sociedade: sua influência, sua importância, as marcas que ela carrega enquanto gênero feminino, entre outras questões. Acreditamos também, que as reflexões foram tão marcantes que certamente vão atuar na gênese de um novo estado de consciência acerca das diferenças existentes nos gêneros masculino e feminino e, assim sendo, nas possibilidades de equidades entre os mesmos gêneros.
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Adalberto Pastana Pinheiro
Professor da Educação Básica, Mestre em Educação
Lauren Cristine Torres e Marra
Pós-Graduada em Alfabetização e Letramento, Assessora Pedagógica na Secretaria
Municipal de Educação de Belo Horizonte