
Uma das transformações mais importantes da vida social depois do final da Segunda Guerra Mundial é o fato de que a formação e os títulos escolares se tornaram, na maioria dos países que dispõem de um sistema escolar unificado, um instrumento de posicionamento social fundamental. Trata-se de uma situação que é tributária de transformações que têm lugar em diferentes esferas de ação social, como, entre outras, aquelas que dizem respeito aos processos de construção da nação quando se define a escola como o espaço de produção do cidadão e também aos processos de acumulação que presidiram a aproximação entre o sistema escolar e o sistema produtivo, transformando os diplomas em requisito para a entrada em várias posições do mercado de trabalho. A objetivação do papel historicamente reservado à escola no processo de hierarquização da sociedade brasileira, cujos efeitos são relativamente pouco tematizados pela literatura especializada, não é difícil de ser realizada. A importância acordada à passagem pela escola, nos processos de definição de um lugar social chegou mesmo a ser definida por leis, como, por exemplo, aquelas que negaram, até 1988, os direitos cívicos mais básicos, como o voto e a candidatura a postos eletivos, aos indivíduos não alfabetizados; ou, ainda, aquelas que dão direito, ainda hoje, à prisão especial para os detentores de diplomas de ensino superior, independentemente do tipo de delito cometido e da punição impingida. Além disto, a importância da escola tem sido discretamente reforçada ao longo do tempo pelo grande número de carreiras do serviço público (administração direta ou indireta nos vários níveis), cujo acesso foi desde muito cedo reservado aos detentores de certificados escolares. Este dossiê traz uma série de artigos que focalizam esta dimensão estratégica das transformações das relações de poder nesse século. Na impossibilidade de abordar todas as dimensões que dizem respeito a este processo, a opção foi a de respeitar a sua complexidade, privilegiando determinados ângulos e contruindo blocos analíticos numa perspectiva que interroga diretamente os sentidos e conteúdos da exceção brasileira a partir da comparação com outras experiências. O estudo da escola em diferentes momentos e em diferentes contextos pode, assim, contribuir de forma significativa para a nossa compreensão dos processos de dominação que estruturam as sociedades contemporâneas. Esperamos que os trabalhos apresentados aqui possam fornecer pistas úteis sobre os caminhos de pesquisa possíveis para aqueles interessados em ampliar os conhecimentos sobre o modo como a escola brasileira interage com estes processos.
Editorial
Agueda Bernadete Bittencourt
Dossiê
Ana Maria Fonseca de Almeida
As qualificações aumentam, mas a desigualdade torna-se ainda maior
Christian Baudelot
Adriana Lech Cantuaria
Grupos familiares, investimentos educacionais e o mercado escolar de São Paulo em 1930
Graziela Serroni Perosa
"Puríssimo Coração": uma escola de elite e sua imagem
Paula Leonardi
Anotações sobre a construção do sistema educacional em Santa Catarina
Agueda Bernadete Bittencourt
Éric Lanoue
A escolarização do ensino de música
Lia Braga Vieira
Razões e efeitos da sistematização do ensino. Reflexões sobre o modelo de ensino francês
Antoine Prost
Artigos
Histórias de vida e autoformação de professores: alternativa de investigação do trabalho docente
Ana Alcídia de Araújo Moraes
Buscando formas de ler e escrever: um trabalho em parceria "universidade-escola pública"
Lilian Lopes Martin da Silva e Ana Carla de Oliveira Dinni
Arte e educação- na confluência das áreas, a formação do psicólogo escolar
Sílvia Maria Cintra da Silva
Marcílio Souza Júnior
Diversos e Prosas
Uma abordagem estética da educação [in Os fatos básicos sobre a arte, 1955]
Herbert Read
Resenhas
Criatividade e processos de criação [OSTROWER, Fayga]
Maria Carolina Duprat Ruggeri
Anamaria Santana da Silva
O projeto pedagógico da creche e a sua avaliação: a qualidade negociada [BONDIOLI, Anna (org.)]
Elisandra Girardelli Godoi