Eu gostaria de dizer “nada muda”. Mas a verdade é que – mesmo que você não se identifique ou se perceba enquanto pessoa com deficiência – a deficiência se faz presente.
Um dia, uma psicóloga me disse que não era a lesão na retina dela que a impedia de ter a mesma experiência que eu: a deficiência dela não era a lesão na retina, mas sim a falta de acesso à bagagem cultural que era feita para videntes. Um dia, um estudante ensurdecido contou que o problema não era não ouvir o professor, mas o fato de que ele dava aula sempre de costas para os alunos, impedindo que seus lábios fossem lidos. E, da mesma forma, às vezes me sinto assim – muito deficiente – quando não entendo o que significa o seu gesto, o seu tom de voz e a sua indireta. Mas o meu problema não é o espectro autista, o problema da psicóloga não era a retina e o do estudante não era a audição. Para ser sincera, a nossa deficiência não parte de nós, mas de vocês. E sim, preciso que vocês saibam: vocês causam a deficiência que temos.
Quando você coloca na conta da instituição, em vez de colocar no protocolo do seu trabalho: você coloca a barreira da deficiência. Quando você não assume a responsabilidade por fazer a lei de inclusão se cumprir, você coloca a barreira. Quando você é responsável por um recurso financeiro e não aplica parte dele em acessibilidade, você coloca a barreira. Quando você não considera uma ação fora do padrão normativo de funcionamento de um corpo, você coloca a barreira. Quando você ignora um buraco, um ruído excessivo, uma bengala levantada, um pedido de ajuda: você coloca a barreira. Quando você supõe que não faz parte do seu escopo de pesquisa ou trabalho entender de diferenças e fornecer adaptações razoáveis, você coloca a barreira.
E com pequenos gestos e pequenas omissões, vocês constroem um muro que nos separa de ter as mesmas oportunidades.
Então me perguntam: para que eu vou gastar dinheiro com acessibilidade, com Libras, com audiodescrição… se não vem nenhuma pessoa com deficiência no meu evento? Entenda: eu vou responder apenas que existe Lei que te obriga a isso. Mas a lei só existe mesmo porque você nunca entendeu realmente que foram atitudes que nos impediram de estar presentes.
A pergunta que vocês deveriam estar se fazendo é: será que vocês querem que nós estejamos presentes? Se querem, por favor, não sejam barreiras!
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Giovanna Romaro, servidora da FE/Unicamp, produtora cultural, autista e membra do Coletivo Anticapacitista Adriana Dias
Palavras-chave: capacitismo, pessoa com deficiencia, pcd, barreiras