A manchete da Folha de São Paulo sobre o leilão das escolas explicita uma tônica da sociabilidade capitalista, a forma mercadoria: “Leilão da PPP das escolas é vencido por empresa que faz gestão de cemitério da Consolação” (Palhares, 2024). Assim, não importa se é uma instituição educacional ou um cemitério, o que importa são os lucros, como dizia Marx, é indiferente que se “tenha investido seu capital numa fábrica de ensino, em vez de numa fábrica de salsichas”, a relação não se altera (2013, p.706).
No entanto, não podemos esquecer, pelo impacto da ação performática da martelada, que a forma mercadoria já está amplamente consolidada da educação básica estatal, e abre caminhos cada vez mais profundos em direção à transformação de um direito social em mercadoria possível de ser rentabilizada.
Parte dos serviços já são terceirizados em larga escala na educação estatal (em todas as etapas de ensino) como a alimentação, limpeza e segurança, com trabalhos precários, baixos salários e potencial para reprodução de trabalhos análogos à escravidão. Em muitos municípios a educação infantil já está controlada por Organizações da Sociedade Civil (OSCs) em diferentes tipos de parcerias. Os currículos, formação de professores e gestores, livros didáticos, plataformas educacionais, sistemas de gestão de professores e estudantes são alguns dos processos já privatizados, no qual quem elabora, organiza, implementa, controla, gerência são empresas privadas, algumas vezes transvestidas na forma da filantropia (termo que não ajuda a compreender o fenômeno), outras vezes despidas dessa roupagem apresentam-se como de fato são, grandes monopólios em busca de lucratividade. A própria política educacional está sendo elaborada, organizada e implementada por fundações privadas, como no caso da BNCC e da Reforma do Ensino Médio (Tarlau; Moeller, 2020; Freitas, 2023).
O movimento de privatização em curso não é novo. A naturalização das privatizações perfaz um longo processo, mais intensamente no Brasil desde a década de 1990, com um apelo à ineficiência do Estado e a adoração da empresa como referência para a gestão do próprio Estado e da vida, incorporando a racionalidade empresarial, para além das instituições e se consolidando como forma de comportamento, cuja figura “protagonista” é o empreendedor.
O caso do leilão das 33 escolas públicas realizado pela Secretaria de Parcerias em Investimentos do Governo do Estado de São Paulo (Moimaz, 2024) demonstra a força de um projeto. A imbricação entre o Estado e a empresa privada, subordina as entidades estatais que passam a agir como garantidor da lucratividade dos empreendimentos (no caso do leilão das escolas, inclusive com financiamento do BNDES (Cássio, 2024)), nesse processo o Estado é o agente da privatização. Diferentemente de um Estado mínimo, o agente estatal é uma peça fundamental para impor a agenda da austeridade e criar os mecanismos necessários para a privatização em escala ampliada. Assim, a privatização da educação no Brasil adquire diferentes formas, mas está entranhada nas políticas educacionais, e agora começam a expandir seus tentáculos para subordinação ao sistema financeiro (Catini, 2024).
A educação já é uma mercadoria, ou seja, uma forma social de mediação para obtenção de lucro, a partir da exploração do trabalho, e o agente estatal é parte da consolidação desse processo. Será que a martelada do Tarcísio não encobre o processo de privatização que já aconteceu e agora é apenas ação performática que demonstra a força e a violência desse projeto? Nesse contexto, como propor uma educação que não se conforme aos marcos dessa sociabilidade?
Referências:
CÁSSIO, Fernando. (2024) “‘PPP do Tarcísio’ para escolas paulistas é a antessala de uma derrota muito maior” Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/ppp-do-tarcisio-para-escolas-paulistas-e-a-antessala-de-uma-derrota-muito-maior/ Acesso em: 01 nov. 2024.
CATINI, Carolina de Roig. (2024) A reforma do ensino médio não será instagramável: incentivo financeiro, trabalho estudantil e financeirização. Passa Palavra. Disponível em: <https://passapalavra.info/2024/03/152302/ > Acesso em: 18 abr. 2024
FREITAS, Tiago Barreiros (2023) Ensino médio personnalité: prestidigitações do capital na educação pública. Rio de Janeiro: Consequência Editora.
MARX, K. (2013) O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo.
MOIMAZ, Rodolfo. S. (2024) “Construção de escolas públicas e lucros privados: leitura e questões sobre o PPP Educação – Novas Escolas”. Esquerda Online. 2024. Disponível em: <https://esquerdaonline.com.br/2024/10/29/construcao-de-escolas-publicas-e-lucros-privados-leitura-e-questoes-sobre-o-ppp-educacao-novas-escolas/#:~:text=Em%20uma%20contabilidade%20simples%2C%20fica,em%20concess%C3%B5es%20de%2025%20anos > Acesso em: 31 out. 2024.
PALHARES, Isabela. (2024) Leilão da PPP das escolas é vencido por empresa que faz gestão de cemitério da Consolação. Folha de São Paulo.. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/10/manifestantes-protestam-contra-leilao-da-ppp-das-escolas-em-sao-paulo.shtml> Acesso em: 01 nov. 2024.
TARLAU, Rebecca; MOELLER, Kathryn. (2020) O consenso por filantropia: como uma fundação privada estabeleceu a BNCC no Brasil. Currículo sem Fronteira, v. 20, n.2, p.553-603, maio-agosto.
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Stephanie Fenselau, é estudante da FE/UNICAMP
Palavras-chave: EDUCAÇÃO, Escola, privatização, CAPITALISMO