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O “faz-de-contas” tem o sorriso da professora Renata: uma homenagem

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Eu tinha 14 anos. Sempre estudei em escola pública e nesta eu estava desde a 5º série. Mas agora, em vias de terminar o Ensino Fundamental, muita coisa havia mudado. Não era somente a transformação da voz, dos cheiros, das formas e dos ciclos, mas havia uma profunda mudança na maneira como eu coexistia com tudo isso. Estava silenciosa, entristecida e envergonhada, totalmente distante do meu eu-ser-estar de antes.

Em meio a intensa tormenta do não-pertencimento, das incertezas e do mal-estar de todas as transformações que me atravessavam, a sutileza e a doçura da professora Renata se voltaram para mim. Ela era uma mulher pequena, magra, com um cabelo um pouco acobreado e bem curtinho. Tinha um sorriso imenso, e um coração maior ainda. Ela era minha professora de matemática, e imagino que foi esse fato que fez com que eu me apaixonasse por contas. Naquele ano, fui ficando cada vez mais silenciosa, passei a sentar no fundo da sala e mal participava das aulas. Mas, a Renata me viu. Ela me enxergou, me acolheu e me aninhou. Fazia questão de conversar comigo no fim das aulas, e aos pouquinhos, se aproximou ao ponto de que eu me sentisse confortável em dizer o que estava acontecendo. 

A partir disso, por fora das aulas, ela começou a resolver exercícios dos vestibulinhos, me passar provas e fazer correções rigorosas de atividades especialmente pensadas para essas provas. Fui me apropriando daquela linguagem, do tempo das provas e da minha própria personalidade para tomar a decisão de fazer os vestibulinhos. Nesse processo de reconstruir minha auto-estima e entender minhas motivações, comecei a estudar com uma prima, muito mais velha que eu, mas que tinha o sonho de ingressar num curso técnico. Pude estabelecer mais um processo de ensino-aprendizagem, e fui me reconhecendo. A professora Renata foi a responsável por despertar em mim o desejo do ensinar-aprender, do construir juntos, do diálogo. E finalmente, no fim do que parecia um processo interminável, eu e minha prima conseguimos passar nos vestibulinhos. Realizamos sonhos, ou melhor, descobrimos os nossos próprios sonhos. 

Talvez sem saber da repercussão da sua figura e do seu afeto, Renata me mostrou o que eu gostaria de ser muito antes de saber que eu seria: educadora. Me ensinou a importância do olhar, do afeto, e da fidelidade com aqueles que são os mais importantes para nossa coexistência educativa: os estudantes. Ao me aninhar, a professora me deu coragem suficiente para sair do ninho, buscar o mundo, buscar a mim, me ensinou a construir minha liberdade. Ao ser educadora, a Renata me mostrou o que é o esperançar. 

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Editora Paz e Terra, 2014.

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Maria Júlia Buck Rossetto, estudante da Pedagogia e Doutoranda em Educação na FE/UNICAMP. 

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