Ninguém poderia imaginar, em seu mais tenebroso pesadelo, a situação atual que o mundo todo está enfrentando: uma nova pandemia. Apesar da humanidade já ter passado por outras situações semelhantes que aniquilaram populações inteiras, como a peste de Atenas (430-427 a.C.); a febre tifoide ou a varíola ou sarampo; a peste negra (1347-1353); a peste bubônica; a gripe espanhola (1918-1919); ebola (2013-2016); Aids (1980 até a atualidade); pandemia de Sars (2002-2004); epidemia de varíola no Japão (735-737); cólera (ao longo do século XIX e início do XX); epidemia de cólera no Haiti (2010 até a atualidade); epidemia de febre amarela em Nova Orleans (1853)[1]; apesar de todos esses desastres e sobrevivências, fomos arrebatados agora pela COVID-19.
Não estávamos preparados para lidar com uma doença tão mortal, um vírus que se espalha rapidamente, que não escolhe classe social, raça, sexo ou credo. Neste momento, perante o vírus, somos todos iguais. Os impactos ainda não puderam ser totalmente mensurados, mas em algum momento teremos uma dimensão mais real de todo esse processo.
A pandemia COVID-19 modificou para sempre as sociedades com relação à higiene, ao trabalho, às relações familiares, à vida profissional, aos sentimentos de coletividade e solidariedade entre pessoas, nações etc.
No tocante ao trabalho, à educação e ao ensino também foram necessários grandes esforços de adaptação. Salas de aulas e escritórios ficaram virtuais e passaram se misturar dentro das nossas casas. Pais e filhos agora dividem o mesmo espaço na vida doméstica para realizar seus afazeres que antes não eram totalmente domésticos, como a vida no trabalho e na escola. Se, por um lado, o estreitamento das relações familiares mostrou algo positivo, por outro, ficou mais evidente os problemas dessa nova realidade que nos foi imposta, sem que percebêssemos, sem que pudéssemos planejar.
Embora o trabalho remoto e o homeschooling seja realidade em outros países, no Brasil ainda estamos engatinhando na questão do EAD e estamos longe de qualificarmos o teletrabalho e o ensino domiciliar.
Por isso, como mãe, percebo as dificuldades do meu filho em acompanhar as aulas pela TV. A concentração ficou prejudicada e a dispersão é quase sempre inevitável. Não há plantão para tirar dúvidas oferecido pela escola pública que ele frequenta e também não há um colega ao lado para socializar as experiências e os desafios do aprendizado.
Já minha filha, que é mais autônoma, recusa-se a acompanhar, sincronicamente, as aulas pela TV ou seguir com o EAD, pois para ela o contato dos professores com os estudantes é fundamental para o aprendizado escolar. Ela gosta de fazer as tarefas escolares ou assistir os vídeos, mas não de forma sincrônica. Ela precisa de tempo e espaço para vivenciar todos esses novos processos virtuais. Por isso, os horários no interior da rotina doméstica tornaram-se um verdadeiro caos, pois cada um tem seu tempo e espaço para atuar.
Por fim, no meu caso, como mãe e servidora pública, o escritório e a casa perderam suas fronteiras, forçando a vivência e adaptação a um dia a dia tumultuado, com tarefas domésticas diversas, agora somadas às atividades profissionais, sob um mesmo teto. Alterou-se tudo, a mente, o corpo, o espaço-tempo, as tarefas, os deveres.
Reproduzo aqui duas matérias de jornal e a síntese de uma pesquisa que representam bem essas ideias e sentimentos que estou apresentando:
Em matéria da BBC News Brasil, lê-se: “Cada pessoa percebe a ameaça de modo diferente, mas alterações em hábitos diários, em liberdades e em (redes de) apoio podem aumentar a percepção de dano (psicológico).” [2]
No jornal El Pais (Brasil), de junho/2020, no auge da pandemia, lemos: “Os problemas de saúde mental têm a ver não só com o medo de um vírus invisível, mas também com o distanciamento social. Vários estudos preliminares apontam a relação entre longas quarentenas e maior angustia psicológica, que pode se manifestar como pesadelos, terrores noturnos, medo de sair de casa e de que seus pais voltem ao trabalho, irritabilidade, hipersensibilidade emocional, apatia, nervosismo, dificuldade de concentração e até um leve atraso no desenvolvimento cognitivo da criança”.[3]
Na pesquisa realizada pela Fundação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul comenta-se: “A mulher contemporânea tem assumido inúmeros papéis, como o cuidado com a casa, com os filhos e as atividades referentes ao trabalho. De modo específico, este contexto de crise que estamos vivendo resultou em mudanças na rotina e saúde dessas mulheres. Com a pandemia do COVID-19 observamos que além de aumentar a sobrecarga de trabalho da mulher, aumentou também a sensação de insegurança, medo e tristeza”.[4]
Estamos assustados. Temos medo de adoecermos por causa de um vírus ou pelo fato de ele se perpetuar, perto ou longe de nós, porque sua simples existência nos impõe novas medidas de saúde, de comportamento, de pensamento, mesmo sem estarmos contaminados. Por um momento, todos nós ficamos adoecidos e paralisados. Quando foi possível reagir, nós nos reinventamos, e isso não para por aqui.
Após um ano de pandemia Covid-19, continuamos, pais e filhos, a nos adaptar a essa nova realidade, com a lembrança de um passado recente, plenos de interações mútuas, socializações, toques, abraços e sorrisos sem máscaras. Voltados para o horizonte, imbuídos de esperança e contando com a agulhada da vacina ‘milagrosa’, ansiamos pelo dia que esse caos social e essa prisão cessem e nossa casa volte a ser o lar que conhecemos.
Foi e tem sido um ano no mínimo diferente. Mas de alguma maneira crescemos, nos transformamos e estamos aprendendo novas formas de sobrevivência. Sigamos confiantes de que o outro normal logo chegará.
Para tudo há o lado positivo, que este pensamento atravesse as nuvens escuras.
Renata Aparecida Carvalho de Seta
Técnico-administrativo
Seção de Apoio aos Departamentos
FE/Unicamp
[1] Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/grandes-epidemias-da-historia.htm – 08/fev/2021
[2] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-53644826#:~:text=Pais%20e%20m%C3%A3es%20com%20sintomas%20de%20estresse%20p%C3%B3s%2Dtraum%C3%A1tico&text=No%20longo%20prazo%2C%20isso%20pode,causas%20de%20afastamento%20no%20trabalho.%22 – 08/fev/2021
[3] Disponível em: https://brasil.elpais.com/mamas_papas/2020-06-06/os-efeitos-do-confinamento-na-saude-mental-de-criancas-e-adolescentes.html – 08/fev/2020
[4] Disponível m: https://www.ufms.br/pesquisadores-avaliam-saude-mental-de-maes-durante-a-pandemia/ – 08/fev/2021
Palavras-chave: Pandemia, COVID-19, Mulheres, Trabalho, Casa, Escola