Conteúdo principal Menu principal Rodapé
FE Publica

Crônica: Meu grande irmão

“Karol Conka é eliminada do BBB21 com 99,17% dos votos” e o Brasil grita. Vejo  comentários comemorativos sobre o quanto ela é escrota e como mereceu ser eliminada, que já  estava cancelada, pois não representava nada do que dizia em suas músicas, também como foi  hipócrita nos seus falares, pensares e dizeres dentro da casa do BBB. Engraçado. O 99, 17%  para mim é aquela bandeirinha que os limpadores de ruas recolhem depois que acaba o Carnaval  e o cotidiano não é mais comemorativo. O que pode ser comemorativo numa pandemia? 

Percebi que durante essa pandemia do Covid-19, que as casas perderam o seu tapete  de “Bem-vindo!”. Fecharam-se as portas e as janelas, mas abriram as telas do celular, da  televisão, do computador – as telas do cinismo. A família tradicional brasileira, se é que existe,  não se suporta. Sofás servem para assistir à eliminação das terças-feiras. Big Brother. É…  realmente para muitos um grande irmão, como os da Igreja, que acolhemos em nossas casas,  oferecemos café e um lugar para se sentar. Não te olha nos olhos para te dizer que não é só o  corpo que está presente, mas é teu irmão porque te disseram.  

E quando as luzes se apagam para quem você escancara o seu ódio, seu racismo e a  sua misoginia? Para alguns eu estou passando pano, portanto advirto que o pano está com cloro,  tome cuidado para não se manchar, e se manchar, não será com o sangue da branquitude. Tenho  certeza. Sinceramente, eu não consigo parar de problematizar o 99,17%, não dá. Como é fácil  odiar quem não representa o endeusamento grego.  

Sou preto e bicha, sou preta e bicha, mas se tem uma coisa que não sou é neutro. Não  existe neutralidade no meu existir. E, perceber em rede nacional o quanto o meu corpo pode ser  alvo de um ódio que não é moral, longe de ser, comportamental? Longe disso. É doentio.  Sempre me vem na cabeça todos os tiros que ultrapassam uma apertada no gatilho. Incrível.  Umas das palavras mais faladas por Karol Conká foi gatilho.  

O espectador só assiste à dor, não busca compreender, não se preocupa em saber quais  instituições ideológicas fazem que uma mulher, preta e preta, comportar-se como opressora.  Aliás, aplausos se um homem branco é escroto, já que o palmito é valorizado.  

O engasgo que sinto é muito mais que por sobrevivência, sobreviver sendo bicha é  como requisito, como bicha e preta é uma sina com acompanhamento dos fetiches (forte, beiços grandes,  negão dotado), tendo como prato principal a solidão. O meu pensar é enquanto porcentos está  minha rejeição, mas ainda me falta coragem para achar o botão de desligar. 

…………………………………………………………………….

Jhonnata dos Santos Nogueira da Conceição

Grupo de Pesquisa INDDHU – FE/Unicamp;

Mestrando em Teoria e História literária IEL/Unicamp; um educador que escreve poeticamente

Palavras-chave: cronica, LGBTQIAPN+, família brasileira, BBB, Big Brother

Ir para o topo