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PERSPECTIVAS NEOLIBERAIS NA EDUCAÇÃO E A PLATAFORMIZAÇÃO DO ENSINO: O QUE A REALIDADE DE SÃO PAULO REPRESENTA À ESCOLARIZAÇÃO? 

Sem salário em fevereiro e assim segue a vida. Come como, como vai pagar a passagem para ir trabalhar? Só recebe em março e olhe lá ainda. Governo de São Paulo deixando o profissional da educação em apuros. Deixa o Tarcísio de Freitas sem salário, só para você ver como ele reage. (E. C., 24/01/2024 sic).

Somos obrigados a usar a plataforma Kahn Academy? (S. S. S., 17/08/2023)

Resposta: Aqui fizemos a formação na DE e a resposta foi sim. E que a plataforma gera dados das escolas participantes (L. F. C, 17/08/2023). 

Pessoal, vocês sabem se podemos fazer a gravação da aula em uma plataforma tipo meet ou zoom e mandar? 

Pensei em usar esses recursos pela possibilidade de projetar slides (J. K. 19/06/2023 sic). 

Bom dia, a minha escola ficou vários dias sem Internet e liberou somente 2 semanas para realizar atividades que seriam no CMPS WEB e curso ALURA e enviar projeto no Scratch. O curso os alunos estão fazendo agora o projeto não houve tempo viável. Como está a situação na escola de vocês? (T. B. 30/11/2023 sic). 

Pode desabafar depois de ver a folha de pagamento? Kkkkkkkk 

Sou categoria V, trabalho de eventual, esse mês recebo o salário referente ao mês 6. 

Nesse mês dei 120 aulas, a maioria de reposição, o goe disse que não conseguiu computar as aulas de reposição, vou receber R$400, 100 aulas perdidas. 

Tô muito triste, tava fazendo planos com esse salário, me matando de substituir pra conseguir uma quantia boa, para isso… 

Sabe-se lá quando vou conseguir recuperar essa quantia que não caiu. 

O GOE disse que o problema é no sistema, e que faz tempo que ele tentava e não conseguia, poderia ter me avisado pra eu não contar com esse dinheiro, tô cheia de conta para pagar (P. C., 01/08/2022 sic).

Pra você que ainda não aderiu à paralisação de amanhã: estou me sentindo muito mal desde quarta-feira, indo trabalhar doente. Fui  até mesmo no sábado, que foi considerado letivo na escola. na segunda-feira não aguentei e fui ao médico. A suspeita: COVID. A médica me deu cinco dias e me mandou retornar. O resultado? Perdi as aulas que eram em substituição. Por causa de míseros 5 dias. Fico imaginando quem sofre um acidente, ou descobre uma doença pior, e precisa de mais tempo de afastamento, aí fica como? Se a carga for toda substituída, perde tudo? É  desumano. 

O que me revolta não são as 4 aulas perdidas, mas essa perseguição com o professor. Não  temos sequer o direito de ficar doentes. (M. T. 26/04/2024 sic)

         Com o avanço da globalização, das tecnologias e a difusão de ferramentas tecnológicas, pós-1990 temos encontrado redes em geral e equipamentos distintos como mecanismos usuais em nossa cotidianidade. O grupo do Facebook intitulado Professores Categoria ‘O’ e eventuais do Estado de SP, com cerca de 66 mil membros, é uma dessas redes que concentra docentes contratados nos termos da lei complementar nº 1.093/2009 do Estado de São Paulo, envolvendo sujeitos de uma série de Diretorias de Ensino, sob comando da Secretaria da Educação de São Paulo (SEDUC/SP). 

        Para além de reunir parte da classe dos docentes paulista, o grupo funciona como espaço multidimensional, envolvendo variadas instâncias e localidades, divididas entre o real e o virtual, congregando a classe docente em um lócus que assume tonalidades diversas. Sobretudo no que concerne sua apreensão como lugar de receber informações, compartilhar dúvidas, resoluções, novidades sobre a carreira e o cotidiano escolar, desabafos, identificação e (re)identificação de similaridades presentes na profissão docente e das normativas que vêm direcionando a educação projetada a partir da SEDUC/SP. 

      Completamente informal, sem ligação ao ente público, notamos como o grupo reúne público variado (até mesmo Gerentes da Organização Escolar, Diretores de Escola, pais de estudantes e comunidade extraescolar). Entre essa pluralidade de indivíduos compartilhando esse espaço das redes sociais, esse é um meio de debates acalorados (tal qual vem se tornando praxe nas redes sociais), extremamente marcados pelas sensibilidades afloradas, assim como pela nem sempre concisa organização da classe em sua luta. Todavia, também é no rol das passionalidades que, igualmente, é possível observar, em suas distintas postagens, os percalços de uma escolarização em transformação, especialmente nos últimos 10 anos.  

         Os excertos, retirados do Grupo em tela e expostos acima, são apenas algumas pequenas narrativas, dispostas na página em questão e que refletem os últimos anos da educação paulista. Na faceta de narrativas pessoais, reverberam apenas determinadas perspectivas vivenciadas dentro das escolas paulistas nos últimos anos letivos. Se desejássemos aprofundar as pesquisas, alternar os operadores de busca aplicados nos filtros, ou despender além de breves minutos de leitura, o panorama apresentado pelas falas acima apontadas seria estendido. Ao mesmo tempo que notaríamos o padrão citado se ampliar, também levaríamos nossas fronteiras a outros lugares de reflexão. Falta ou atraso de pagamentos, abuso de autoridade das equipes gestoras, servidores adoecendo, quebras contratuais absurdas, direitos trabalhistas burlados ou não-assegurados, precarização da profissão, clientelização do discente, plataformas e plataformas implantadas do dia para noite, de forma verticalizada nas salas de aula, metas e mais metas, compreendendo a avaliação entre escolas bronze, prata, ouro e diamante, bonificação por resultados, bem como tantos outros vetores minimamente retratados sob essas falas. 

          Muitos debates são suscitados e chegam até nós diariamente, por meio desse Grupo, ao abrimos o Facebook (mesmo em menor frequência hoje). E a partir desses recortes de realidade escolar, surgem polissêmicas reflexões da dura realidade, tangenciada pela quantificação em substituição à qualificação dos sistemas educacionais paulista. A dura, crua e, muitas vezes, cruel cotidianidade do professorado do estado de São Paulo é notável. Substancialmente, porque cada um dos vetores enumerados (dos muitos outros que poderiam ser), evidenciam professores com sua liberdade de cátedra ameaçada, a eminente plataformização do ensino, o associando/limitando à cliques e acessos, a burocratização desmedida da carreira e, infelizmente, a redução dos processos de ensino e aprendizagem a dados quantitativos, hoje corriqueiras no ensino da rede estadual (e nas minhas escolas de atuação profissional), os quais são expostas e rememoradas, com um sentido amargo de identificação com os relatos trazidos ao início deste texto.  

          Ferramentas com teores de aliterações neoliberais, atribuídos à educação e aplicados em larga escala, em resposta a demandas de fornecimento de dados (nem sempre reais) sobre redes de ensino são comuns no mundo, em múltiplos âmbitos – saúde, educação, gestão pública em geral etc. Ivor Goodson (2019), considerando tais dinâmicas, de modo muito atento e perspicaz, nos conduz em mobilizações (auto)reflexivas acerca da docência atual. Isso pois, traz alguns exemplos em que sistemas preenchidos, dados fornecidos e computados, clientelização do alunado são mais frequentes e/ou pautados como ideais do que a personificação da atenção, do cuidado, do zelo e da presença – tão essenciais no ensino. E, no caso da educação, da aprendizagem significativa, real e efetiva. 

      Se a SEDUC/SP apreende que educar para o século XXI corresponde gastar os percentuais mínimos de investimento em educação em equipamentos como tablets e chromebooks com maus termos de desempenho em softwares, bem como comprar plataformas de ensino de matemática, robótica, leitura, correção de redação, produção em massa de slides de aula e aplicação obrigatória desse método de ensino, há um descompasso entre a realidade, a necessidade e o projeto neoliberal para a educação. Ademais, isso nos leva a questionar o que vem sendo feito, como vem sendo feito e a maneira como a nossa práxis se reflete nesses questionamentos. 

             Carlotta Boto, ao lado de outros autores, em Cultura digital e educação (2023) reflete acerca de como não é “suficiente que a escola se contente em ser digitalizada”. À vista disso, perante o atual cenário da educação paulista, quantas reflexões ainda infinitas dentro de nós docentes podem seguir nos angustiando? Quantas falas de nossos colegas, diariamente encontrados por nós nas salas de professores das nossas unidades escolares, são próximas das reflexões propostas no grupo Professores Categoria ‘O’ e eventuais do Estado de SP? Quantas salas de aula têm se moldado ao padrão imposto por uma SEDUC/SP há muito não gerida por profissionais da educação, de formação na área e com os mínimos conhecimentos sobre uma sala de aula? Qual sala de aula tem sido projetada e executada por tais projetos? Qual estudante vivencia nossa práxis e nossa atuação frente a esse projeto? Quantas resoluções nos serão lançadas ainda até que nos voltemos a uma educação, realmente, emancipadora? 

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REFERÊNCIAS

  • Benjamin, Walter. Obras Escolhidas II: Rua de mão única. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • ______. O narrador. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
  • ______. Passagens. Tradução: Irene Aron, Cleonice Paes Barreto Mourão e Patrícia de Freitas Camargo. Belo Horizonte: UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
  • ______. A hora das crianças: narrativas radiofônicas. Tradução: Aldo Medeiros. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2015. 
  • Boto, Carlota (org.). Cultura digital e educação. São Paulo: Editora Contexto, 2023. 
  • Goodson, Ivor. Currículo, narrativa, pessoa e futuro social. Trad. Henrique Carvalho Calado. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2019.
  • Thompson, Edward Palmer. Costumes em comum. Tradução: Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • ______.  Educação e experiência. In: THOMPSON, Edward Palmer.  Os românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Tradução: Sérgio Moraes Rêgo Reis. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2002. p. 11-47.

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Taís Temporim de Almeida, Mestra e Doutoranda em Educação  – Faculdade de Educação da UNICAMP 

Contato: temporimtais@gmail.com

Palavras-chave: SEDUC-SP, neoliberalismo, professor, PROFESSORES, educação publica, Estado de SP, PRECARIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

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