Lá fora, caía uma garoa amena, daquelas que fazem os nossos pensamentos voltarem à infância. Estava fazendo meu trabalho, vistoriando as salas, quando, em um horizonte longínquo, um trovão ressoou nas janelas de vidro.
Ouvidos atentos.
Voltei minha atenção para a janela que estremecia.
Um sonido a fez vibrar novamente.
Mais um trovão, mais perto.
Mas a janela não acompanhava o dedilhado do trovão.
Cheguei mais perto.
O som transformou-se em um sussurro melodioso.
Intriguei-me.
Cheguei mais perto.
As paredes estavam conversando entre si.
Puxei uma cadeira e inclinei os ouvidos.
Cheguei mais perto.
Será que elas sabiam que eu estava ali?
Questionei-me.
O tempo nublado envolveu a sala.
Entre si, as paredes fofocavam, contavam a história de cada um que passou ali.
Um estudante que saiu de sua cidadezinha, no interior, com dificuldade de se adaptar à metrópole, sem qualquer perspectiva, foi o primeiro da família a ir para a faculdade. Veio a ser um gigante que prosperou na vida.
No primeiro dia, o brilho no olhar e um nó ao falar. Deu tudo certo.
Prosperou na vida.
Uma funcionária, que, ao término das aulas à noite, sozinha, sentou e chorou, pelo filho doente que deixou em casa, pois ela precisava trabalhar.
O tempo passou e ele se curou.
Prosperou na vida.
Um professor que, ao primeiro dia lecionando, relembrou quando era calouro e almejava ser docente um dia.
Prosperou na vida.
Um porteiro que abriu a porta para a brisa durante a pandemia, trouxe vida para os corredores vazios.
Uma flor que, mesmo durante os dias frios da universidade fantasma, conseguiu encher o jardim de vida.
Viveu mais um dia.
Uma borboleta que brotou no jardim e trouxe consigo a alegria.
Viveu mais um dia.
Uma gota de chuva que caiu na janela, me chamou a atenção.
Abri, e deixei o vento soprar meus cabelos, um toque suave e fresco.
Vivi mais um dia.
……………………………
Lidyani Quaresma,
Servidora da FE/Unicamp. Às vezes, artista.
Palavras-chave: Cotidiano, crônica, vida