tmarin | Atualizado em 11/12/2020 - 07:58 Notícia

1, 2, 3, qual a história desta vez?

Objetos de cozinha, tecidos, o próprio corpo e um celular são suficientes para que a professora Márcia Strazzacappa, da FE-Unicamp, conte histórias infantis de maneira criativa em seu canal “Histórias para Criança” no Youtube. Lançado em 2015, o canal foi criado para colaborar na ampliação do repertório de contos, lendas e parlendas de profissionais de educação infantil, pais e estudantes e mostrar que não são necessários grandes recursos cinematográficos para a produção de conteúdo audiovisual de qualidade para crianças.

Os Três Porquinhos, Janela Janelinha e Minhoquinha Fazendo Ginastiquinha são algumas das histórias contadas pelo canal. Hoje, ele já alcança 30 mil visualizações em todos os vídeos.

Acompanhe, a seguir, a entrevista com a professora Márcia Strazzacappa.

FE – Como surgiu o canal?
Márcia – O Canal Histórias para Criança é um dos desdobramentos de uma pesquisa acadêmica realizada entre 2009-2012 sobre contação de histórias que foi agraciada pelo Edital ProCultura CAPES/MINC. O projeto se intitulava "Era uma vez uma história contada outra vez: educação, memória, imaginação e criação" e envolveu 3 universidades, URFN e UFG além da Unicamp. Na ocasião, o objetivo era fazer um levantamento de histórias, lendas e parlendas de nosso patrimônio imaterial para servir de base/inspiração para a criação de novas histórias para compor um CD (só de áudio - como os disquinhos coloridos de minha/nossa infância). Assim, ao invés de ver os personagens como nos desenhos animados, ao ouvir as histórias, as crianças poderiam imaginar seus próprios personagens, desenvolvendo a imaginação. Lançamos na época um CD com 6 histórias acompanhado de um libreto para crianças e, mais tarde, um livro acadêmico voltado aos professores e pais (Era uma vez uma história contada outra vez, Editora Librum, 2013).

Naquela ocasião, a pesquisa havia identificado que muitos profissionais da educação infantil apresentavam um repertório restrito no tocante aos contos, lendas e parlendas tanto do patrimônio nacional, quanto universal. Fiquei me perguntando o que poderia fazer para mudar esse cenário. Nas aulas que ministro na FE, mais especificamente na Pedagogia, (EP 158, Educação, Corpo e Arte), um dos objetivos é desenvolver a criatividade, a capacidade dos estudantes de contar histórias usando diferentes recursos, sonoros, corporais, imagéticos e ampliar seus repertórios. Assim, o canal permitiu divulgar histórias, dar alguns exemplos de recursos, não para serem copiados, mas para inspirarem outras possibilidades, tendo o corpo como eixo.

FE – O canal foi criado para um público específico?
Márcia - Sim. Para a criança. Veja: Eu estava preocupada com a falta de repertório dos adultos que trabalham junto às crianças e mais ainda, aterrorizada com o que a mídia vinha oferecendo. Isso somado ao fato de identificar que a Internet e o Youtube são cada vez mais acessados e estão ao alcance de todos. Posso afirmar que canal foi pensado para a criança, mas quem abre o vídeo para a criança são os pais, ou seja, os adultos, sejam parentes ou profissionais da educação infantil. No canal tem uma entrevista voltada aos pais, tios, avós, em que explico o projeto.

FE - De onde vêm as inspirações e ideias para os temas dos vídeos?
Márcia – As inspirações se apoiam na observação das brincadeiras de crianças, nas memórias de minha infância, nas histórias que ouvia, na vida. Sou uma grande observadora do mundo. Por um momento resolvi ir às fontes e buscar as histórias originais, por exemplo, da Chapeuzinho Vermelho. Li as versões dos Irmãos Grimm, depois a de Charles Perrot, em francês. Porém identifiquei que não seria possível ser fiel ao original, dado o teor do conto. Acabei optando em narrar a versão mais conhecida. Num outro momento, fui questionada por um pai de criança sobre a voz grave do lobo, que causava medo em seus filhos. Mas os contos de fadas não representam a oportunidade das crianças entrarem em contato justamente com seus medos? - interroguei de volta. Aliás, isso tem sido recorrente: o desejo de pais e profissionais de se retirar o lobo mau, o vilão, a morte, a perda, deixando apenas o belo, o justo, o bom, pasteurizando os contos de tal forma a criar um mundo sem tensões, sem conflitos. Ora, não é justamente na primeira infância que se inicia o aprendizado dos conflitos? A identificar que existe o reto, o torto, o bom, o mau, o diferente?!

As ideias vêm de minha infância, da pesquisa, da sala de aula, de minha atuação com a personagem Dona Clotilde, de meu trabalho de artista, dos desafios de ser professora formando professores... Nesta primeira fase, experimentamos diferentes recursos. Pegava um conto e pensava qual seria a forma mais inusitada de contá-lo. Assim, Os Três Porquinhos, nossa primeira história, foi contada com objetos. Lembrei-me de um programa da TV Cultura em que uma contadora narrava usando buchas e escovas. Fui à cozinha, fiquei olhando os utensílios, imaginando o que poderia ser qual personagem. Assim, surgiram os porquinhos canequinhas, o lobo-mau coador de café... Na Chapeuzinho Vermelho, experimentei tecidos diversos, com cores e texturas, além de fitas. Na MInhoquinha, o recurso foi a mão com diferentes fundos e percussão. Já experimentei só músicas, duas stop motion, uma com as letras do alfabeto e outra com um boneco fazendo Cabeça, Ombro, Joelhos e Pés. Ah, também tem as histórias em uma língua não existente, o gromelô, como a Mimimi, Mamama.

Tudo pode servir de inspiração. Estou no supermercado, vejo uma embalagem, logo penso: nossa, esse frasco poderia ser um cachorro! Ou caminhando numa trilha, em meio à Natureza vejo um galho ou uma folha e logo penso numa história. O mundo é uma fonte inexorável de ideias, basta você abrir a mente para ver além da forma, além da função, além da coisa em si.

FE - Como tem sido a recepção dos vídeos?
Márcia - Nesta primeira fase, experimentamos várias imagens para ver qual teria maior alcance e aceitação por parte das crianças. O vídeo que eu mais gosto, que é a poesia de Cecília Meirelles, As Duas Velinhas, em que aparecem apenas as mãos, por exemplo, tem baixa visualização. Em compensação, outro vídeo que só usa as mãos, a Minhoquinha, já alcançou 13 mil visualizações: questões ainda a serem analisadas. Os Três Porquinhos, que era a história mais contada em sala de aula, começou tímida nos primeiros meses, não passando de 600 visualizações. Hoje está com 7 mil. O que ocorreu de lá para cá? Não sabemos. Mas de forma geral, a recepção tem sido boa. Algumas pessoas escreveram pedindo mais, pois parei um pouco de produzir e de postar ao trabalhar em minha livre-docência e agora por conta da pesquisa do sabático, mas continuo com meu caderninho de anotações, repleto de ideias, inspirações, propostas...

FE - Algum projeto futuro relacionado ao canal?
Márcia - Lançar mais histórias cantadas e musicadas. Criar um tutorial para dar dicas aos adultos, sejam pais ou profissionais, de como transformar objetos em personagens, como tirar sons bacanas de utensílios de cozinha, entre outras.