O episódio ocorrido na EMEI Antônio Bento, em São Paulo, no dia 12 de novembro — quando quatro policiais militares armados, um deles portando metralhadora, entraram na escola após um pai contestar uma atividade pedagógica sobre culturas afro-brasileiras — provocou ampla mobilização de educadores, pesquisadores e entidades públicas. A ação violenta expôs crianças da Educação Infantil, professoras e gestores a risco físico e psicológico, e reacendeu o debate sobre o avanço do racismo religioso nas escolas.

A atividade em questão, baseada na leitura do livro “Ciranda em Aruanda” e na produção de desenhos sobre orixás, integra o Currículo da Cidade – Educação Antirracista, documento oficial da Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo, elaborado com respaldo nas Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena. O manifesto público da Diretoria Regional de Educação do Butantã confirma que a prática era curricular e orientada pela própria SME.
Manifesto – Gestores DRE BT
Para a Profa. Dra. Fernanda Roveri, docente da Faculdade de Educação da Unicamp (FE-Unicamp), pesquisadora das relações entre educação, diversidade e direitos humanos, o caso revela dimensões profundas do racismo religioso, que afetam diretamente as escolas e a infância no Brasil. “O ataque à EMEI Antônio Bento é um caso de racismo que colocou em risco crianças e profissionais, ameaçando sua dignidade, vida e liberdade”, afirma.
A professora explica que práticas de matrizes africanas e indígenas são historicamente tratadas como inferiores ou perigosas, e que a expressão “intolerância religiosa” muitas vezes suaviza a origem do problema. “Falar em intolerância pode ocultar o essencial: trata-se de racismo estrutural. O termo ‘racismo religioso’ evidencia a discriminação direcionada a culturas afro-diaspóricas e indígenas.”
Segundo ela, impedir que crianças tenham contato com diferentes cosmovisões — especialmente aquelas historicamente silenciadas — constitui violação de direitos educacionais.
“As crianças têm direito a uma educação plural e inclusiva. Quando se criminaliza uma atividade curricular, limita-se a experiência humana e cultural das infâncias, desrespeitando os seus direitos.”
Repercussão e defesa da escola pública
Além da análise da pesquisadora, diversas notas públicas foram divulgadas em defesa da escola e da equipe pedagógica. A carta da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo reforça que discutir culturas africanas não caracteriza prática religiosa, mas estudo da história e da diversidade brasileira, como previsto em lei.
📄 Acesse a carta da SME
📄 Outros manifestos e apoios
A formação de professores e a função da FE-Unicamp
A professora Fernanda destaca que casos como o da EMEI Antônio Bento evidenciam a necessidade de fortalecer a formação docente para lidar com temas sensíveis e enfrentar o racismo nas escolas — campo em que a FE-Unicamp tem atuação histórica.
“A formação de professores precisa preparar educadoras e educadores para identificar e enfrentar o racismo religioso, garantindo práticas pedagógicas que valorizem culturas historicamente marginalizadas”, reitera.
Os cursos da Faculdade de Educação desenvolvem pesquisas, projetos de extensão e ações formativas voltadas para a educação antirracista e para a promoção dos direitos humanos. A docente reforça que o compromisso universitário não se restringe ao debate acadêmico:
“A universidade tem o dever de colaborar com a sociedade na defesa da democracia, da diversidade e da ética. Não estamos apartados do cotidiano escolar”.
Responsabilidade do Estado e proteção da infância
A Direção da FE-Unicamp ressalta que o caso exige investigação rigorosa e medidas institucionais que assegurem a proteção das crianças e da equipe escolar. A professora Fernanda sublinha que episódios assim não são isolados:
“Há anos temos visto ataques à docência, ao currículo e tentativas de criminalizar as ações pedagógicas voltadas às questões de gênero e étinico-raciais. Quando discursos de ódio entram na escola, toda a sociedade está envolvida.”
A professora encerra reafirmando solidariedade à comunidade escolar e a necessidade de políticas públicas efetivas:
“A educação deve assumir a defesa dos direitos de todas as crianças por meio de práticas antirracistas, como as desenvolvidas na EMEI Antônio Bento. É urgente que o Estado garanta políticas de promoção da igualdade e faça cumprir as leis de combate ao racismo”.
