tmarin | Atualizado em 11/12/2020 - 07:58 Notícia

Em defesa do caráter público das Universidades Estaduais Paulistas

Por Lalo Watanabe Minto*

As atividades de ensino, pesquisa e extensão realizadas por Unicamp, Unesp e USP se expandiram significativamente nos últimos anos. Entre 1995 e 2016, praticamente dobrou o número de matrículas, enquanto os cursos de graduação saltaram de 256 para 514. As titulações de mestrado e doutorado quase triplicaram. No mesmo período, porém, o corpo docente cresceu pouco e o número de funcionários até se reduziu. Quanto ao financiamento público, há 23 anos recebem os mesmos 9,57% do repasse de ICMS (quota-parte do estado de SP).

Os dados sobre essa ampliação, por isso, não nos trazem apenas motivos para comemorar. O congelamento do percentual do ICMS, num contexto em que as demandas por expansão permanecem crescendo, tem pelo menos três consequências: a) a sobrecarga dos servidores ativos, contribuindo para degradar as suas condições de trabalho e a qualidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão; b) a inviabilização financeira das instituições, que são cobradas a fazer mais sem o devido aumento dos recursos, levando em conta que certas despesas (como as aposentadorias) tendem a crescer cada vez mais; e, c) a perda de espaço do ensino superior público, enquanto o setor privado cresce e se torna uma indústria cada vez mais controlada por capitais internacionais. O estado de São Paulo, aliás, já possui uma das redes de ensino superior mais privatizadas no país (85% das matrículas).

Embora os discursos oficiais apontem para o que se entende ser uma consequência natural dos períodos recentes de crise econômica, estamos vivenciando uma política oficial de subfinanciamento. Por trás dela, escondem-se interesses poderosos, não raro disfarçados por motivações "técnicas". Uma das formas de expressão desses interesses se dá na disputa pelo orçamento público, proveniente da arrecadação tributária. O caso das universidades estaduais paulistas é emblemático: apesar da chamada "autonomia universitária", garantida por Decreto governamental (1989), ter instituído percentual fixo da arrecadação do ICMS para financiar essas instituições, o governo paulista se utiliza de mecanismos contábeis – não previstos em lei – para reduzir a base de cálculo dos repasses. Na prática, confisca montantes significativos de recursos públicos destinados, por lei, à Unicamp, Unesp e USP. Entre 2014 e 2017, R$ 12,9 bilhões foram suprimidos do cálculo dos 9,57% das universidades. A isso se soma o não cumprimento das obrigações com a insuficiência financeira (Art. 27 da Lei Complementar 1.010/2007), que decorre da diferença entre contribuições previdenciárias e despesas previdenciárias das universidades.

O Fórum das Seis, que reúne entidades sindicais de servidores docentes e não docentes das estaduais paulistas, não à toa passou a usar a expressão crise de financiamento para designar essa política oficial que compromete o futuro da educação superior pública no estado. Uma política que contingencia os salários para suprir déficits decorrentes do subfinanciamento. A denúncia sistemática dessa situação, contudo, não tem sido suficiente para mobilizar as administrações universitárias, cuja pressão política sobre o governo paulista poderia ser decisiva. Para piorar, as universidades públicas paulistas são regularmente desqualificadas pela grande imprensa, que as acusa de "ineficientes", de preservadoras de "privilégios".

Estamos preparados/as para enfrentar esses desafios, de forma coerente com a defesa do caráter público e da reconhecida qualidade dessas instituições? Vamos nos abrir, de forma acrítica, às "soluções fáceis", como aquelas que pretendem instituir pagamento de anuidades ou mensalidades, incentivar a captação externa de recursos (públicos ou privados), ou, ainda, de promover uma "gestão eficiente" e consonante com a lógica privada como suposta modernização das universidades?

O conjunto de dados apresentados a seguir, na forma de tabelas e gráficos, tem um objetivo modesto: contribuir para que se possa fazer uma avaliação mais realista da atual situação da educação superior pública paulista. São dados organizados a partir das informações que têm sido disponibilizadas pelo Fórum das Seis e pelos anuários estatísticos das três universidades.

Sabemos, por fim, que a explicitação desta realidade é apenas um primeiro passo; necessário, mas não suficiente. A experiência histórica dos movimentos e das lutas em defesa da universidade pública, gratuita, laica, de qualidade socialmente referenciada, mostra que o restante depende da ação efetiva de todos nós, dentro e fora das instituições.

 


 


 

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*Lalo Watanabe Minto é professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp.