Fabiana Alves | Atualizado em 30/11/2021 - 15:33 Notícia

Especialistas manifestam preocupação com o Acampamento Marielle Franco Vive!

Professores e pesquisadores nas áreas de Educação, Psicologia e Desenvolvimento Agrário vinculados às universidades públicas paulistas (Unicamp, USP e Unesp) que estão acompanhando a última decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) no caso do Acampamento Marielle Franco Vive! na cidade de Valinhos – SP, produziram um manifesto indicando preocupações e recomendações para mitigar os impactos e assegurar os Direitos Humanos das crianças e adolescentes do acampamento.

Confira logo abaixo o Manifesto na íntegra:

MANIFESTAÇÃO DE ESPECIALISTAS SOBRE AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA MITIGAR OS IMPACTOS EM DIREITOS HUMANOS NO CASO DE REMOÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DO ACAMPAMENTO MARIELLE FRANCO VIVE! (VALINHOS-SP)

Nós, docentes e pesquisadoras/es nas áreas de educação, psicologia e desenvolvimento agrário, vinculadas/os às Universidades Públicas do Estado de São Paulo, que esta subscrevem, vimos a público manifestar nossa preocupação com os impactos em direitos humanos da eventual remoção de crianças, adolescentes e adultos do Acampamento Marielle Vive!, situado no município de Valinhos-SP.

Como especialistas da comunidade científica, estamos acompanhando, desde final de 2020, as atividades desenvolvidas pela Câmara de Autocomposição do Núcleo de Incentivo em Práticas Autocompositivas do Ministério Público de São Paulo (NUIPA-MPSP) para a solução de conflitos entre os Poderes Públicos e os acampados.

A ocupação do imóvel rural ocorreu em 2018. Desde então, os acampados iniciaram a produção de alimentos saudáveis (agroecologia), inserindo suas crianças e adolescentes em práticas orientadas pelos princípios do desenvolvimento inclusivo, sustentável e sustentado. Vivem no acampamento 450 famílias, com cerca de 120 crianças.

Em acórdão de 23 de novembro de 2021, a 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando decisão liminar de primeira instância, determinou, em processo possessório, a remoção dos acampados.

Medidas dessa natureza, como sabido, produzem impactos negativos nas relações familiares, sociais e institucionais dos habitantes de acampamentos, em especial das crianças e adolescentes, estas dotadas de direitos fundamentais consagrados em normativa internacional, da qual o Estado brasileiro é signatário (Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948; Declaração dos Direitos da Criança, ONU, 1959; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ONU, 1966; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ONU, 1966; Convenção sobre os Direitos da Criança, ONU, 1989), e nacional (Constituição da República, 1988; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990).

O eventual cumprimento da decisão não pode ocorrer de forma a violar direitos das crianças e adolescentes constantes de tal normativa (respeito, dignidade, liberdade, alimentação, saúde, moradia, educação, convivência familiar etc.).

Diante do exposto e na eventualidade da remoção, entendemos necessário:

  • a) a elaboração de protocolo de cuidados para a remoção das famílias, com indicação prévia do local de destino, sob a coordenação do NUIPA, para assegurar: i) a integridade física, social e psíquica de crianças, adolescentes e adultos; ii) o acesso à moradia; iii) o acesso ao trabalho dos adultos;
  • b) a constituição de grupo de trabalho, com a participação de representantes do Ministério Público, do Conselho Tutelar, dos Conselhos de Direitos, de especialistas da comunidade científica e de entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente para o acompanhamento das medidas preconizadas no protocolo;
  • c) o planejamento de ações entre diferentes Secretarias Municipais para a garantia dos direitos fundamentais à alimentação, à saúde, à educação e à assistência social das crianças e adolescentes;
  • d) a não interrupção dos vínculos escolares das crianças e adolescentes, a exigir que a remoção não ocorra sem que haja ações dos gestores públicos de acompanhamento da condição de transição e preparação das unidades escolares e professores;
  • e) a garantia do direito ao transporte escolar seguro das crianças e adolescentes;
  • f) a garantia de acesso à escola e desenvolvimento educacional sem discriminação.

A iminência da remoção colocou todos os acampados na expectativa de que a decisão possa ser revertida em outras instâncias do sistema de justiça. A continuidade no acampamento é condição para a melhoria da qualidade de vida e iniciativas de geração de renda que vinham sendo construídas. Nos solidarizamos com as famílias e lembramos que o momento coloca ainda mais as crianças em condição de vulnerabilidade, por suas especificidades de desenvolvimento. Portanto, os impactos em suas vidas são ainda maiores. Permanecerem no acampamento é determinante para elas darem seguimento ao convívio com as pessoas com quem os vínculos fraternos têm sido edificados ao longo dos últimos quase quatro anos. Nesse tempo, construíram grande parte de suas vidas, de si mesmos como sujeitos, de suas relações sociais e afetivas, enfim, de seu passado, seu presente e esperanças no seu futuro.

Campinas, 29 de novembro de 2021.

FABIANA DE CÁSSIA RODRIGUES

Professora Doutora do Departamento de Filosofia e História da Educação (DEFHE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro do Grupo de Pesquisa Educação e Crítica Social (GEPECS) e do Grupo de Pesquisa História, Sociedade e Educação no Brasil. (Histedbr) .

ANA PAULA SOARES DA SILVA

Profa. Livre-Docente, Coordenadora do Laboratório de Psicologia Socioambiental e Práticas Educativas (LAPSAPE) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL/RP), Universidade de São Paulo (USP)

JOSÉ GILBERTO DE SOUZA

Professor Livre-Docente, Coordenador do Laboratório de Análise Espacial de Políticas Públicas (LAPP), do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

ANA LÚCIA HORTA NOGUEIRA

Professora Livre-Docente do Departamento de Psicologia Educacional (DEPE) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL).

SILVIA BEATRIZ ADOUE

Professora Doutora da Unesp (Araraquara) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL). Educadora da ENFF.

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Créditos da Arte: Felipe de Souza