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Graduação Institucional

Os estágios supervisionados e os desafios estruturais da nova Resolução do CNE

Evento na FE-Unicamp reúne especialistas para debater impactos da nova Resolução do CNE na formação docente.

A Resolução CNE/CP nº 4, de 29 de maio de 2024, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores da educação básica, está redesenhando o cenário da formação docente no país. Entre as principais mudanças estão a antecipação dos estágios curriculares, a limitação da carga horária em EaD (Ensino a Distância) e novas regras para a realização de segunda licenciatura. As alterações, que entram em vigor a partir de 2027, têm sido recebidas com apreensão pelas instituições de ensino superior, que agora precisam reorganizar modelos formativos e estruturas institucionais para atender às novas diretrizes.

Na Faculdade de Educação da Unicamp (FE-Unicamp) o debate tem sido realizado em diferentes instâncias: Departamentos, Comissão de Graduação, Comissão de Ensino e Pesquisa (CEPE) e Congregação. Em 15 de outubro, Dia da/do Professora/or, a FE-Unicamp promoveu a mesa-redonda intitulada: “Adequações nos Cursos de Licenciatura da Resolução CNE/CP nº 4 de 29 de maio 2024”, com o objetivo de subsidiar as Instituições de Ensino Superior (IES) e promover uma reflexão crítica sobre as implicações práticas da nova normativa. Participaram do debate especialistas envolvidos diretamente na elaboração e implementação das políticas educacionais: 

  • Profa. Dra. Bernardete Gatti, Decana da Câmara de Educação Superior do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Cátedra na Alfredo Bosi de Educação Básica (IEA-USP) e da Academia Paulista de Educação; 
  • Profa. Dra. Eliana Martorano Amaral – Conselho Estadual de Educação de São Paulo; Academia Paulista de Educação; Faculdade de Ciências Médicas (Unicamp);
  • Prof. Dr. Luiz Roberto Liza Curi – Cátedra Paschoal Senise (USP), pesquisador associado da FGV, consultor da UNESCO e relator da Resolução CNE/CP nº 4/2024.

A abertura e coordenação da mesa foi feita pela Direção da FE-Unicamp, representada pela Diretora, Profa. Dra. Débora Jeffrey e pelo Diretor-Associado, Prof. Dr. Guilherme do Val, pela presidenta da Comissão Permanente de Formação de Professores da Unicamp (CPFP), Profa. Dra. Adriana Varani e Vice-Presidenta Profa. Dra. Heloísa Lins, além do Coordenador e da Coordenadora-Associada do Curso de Pedagogia, Prof. Dr. Carlos Miranda e Profa. Dra. Gabriela Tebet.

Também estiveram presentes representantes da Unicamp que fazem parte da Comissão Central de Graduação (CCG) da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), a analista administrativa, Camila Ferreira Julio, e o professor Tiago Alegre; a Coordenadora do Mestrado Profissional da Unicamp, Sandra Fernandes Leite; a Coordenadora de Graduação da Unicamp, Profa. Dra. Laurita Marconi Schiavondo; a Coordenadora Associada da Unicamp, Helena Altmann; Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC), Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), Instituto de Artes (IA), o Coordenador de Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Rodrigo de Godoi; Coordenador do Instituto de Geociências (IG), Rafael Straforini; Instituto de Química (IQ) e a Coordenadora do Curso de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem (FEnf), Ariane Polidoro Dini.

Em relação aos representantes externos destacam-se ainda o Prof. Dr. Vinicius Matias Rodrigues Manoel representando a Secretaria Municipal de Educação de Marília, Profa. Dra. e membra de comissões coordenadoras de cursos de Licenciatura de Pedagogia e História da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Marilene de Melo Vieira; a estudante do Instituto Federal de Minas Gerais (IFSUL de Minas), Mariane Camila Gonçalves Medeiros, egressa da Universidade Federal de Catalão (UFCAT) de Goiás, Ibrantina Maria dos Santos, Prof. da Faculdade de Tecnologia de Campinas (Fatec), Flávio Galvão Pereira, doutorando da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Thiago Moret de Carvalho Ramos; e Profa. Dra. do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) – campus Itapetininga, Aline de Cássia Damasceno Lagoeiro.

O que muda com a nova Resolução

A obrigatoriedade de estágios curriculares, desde o primeiro semestre dos Cursos de Licenciatura, tem sido o ponto de maior impacto às Instituições de Ensino Superior (IES). A medida exige reorganização curricular, ampliação de parcerias com redes de ensino e novas contratações docentes.

Para a professora Varani, a antecipação dos estágios só fará sentido se o primeiro contato com a escola tiver caráter introdutório e reflexivo, funcionando como uma aproximação à realidade institucional e social — não como prática especializada.

Ela alerta, ainda, para o risco de a diretriz complementar dos estágios tornar-se excessivamente prescritiva, reduzindo a autonomia universitária.

Além disso, a Resolução CNE/CP nº 4, de 29 de maio de 2024 proíbe a obtenção de segunda licenciatura em Pedagogia por licenciados de outras áreas — e vice-versa — para fortalecer identidades profissionais específicas. A professora Varani aponta ainda que isso pode limitar a mobilidade docente e dificultar o enfrentamento da escassez de professores em determinadas áreas.

Varani também lembrou de outro eixo sensível – a recente regulamentação do Ministério da Educação (MEC) para a Educação a Distância (EaD), estabelecida principalmente pelo Decreto nº 12.456 e Portaria nº 381 em maio de 2025. A regulação do EaD, que estabelece 30% de presencialidade obrigatória e ao menos 20% de horas síncronas para cursos específicos, como os de Educação e Ciências Naturais, é condição desaprovada no debate. “Embora responda à críticas ao “EaD puro”, a medida pode afetar cursos noturnos e alunos de regiões com menor infraestrutura tecnológica”, relatou a Presidenta da CPFP, Varani.

Esse novo cenário regulatório contrasta diretamente com o arcabouço anterior, marcado por diretrizes mais flexíveis, como as previstas, que por anos orientou a formação de professores de maneira mais flexível. É nesse contraste que ganham relevo as diretrizes previstas na Resolução CNE/CP nº 2/2015, que definia normas gerais para a formação de professores, e na Resolução CNE/CP nº 2/2019,  (BNC-Formação), que instituiu a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, marcos que estruturaram a formação docente antes das recentes alterações.

As falas dos especialistas: convergências e tensões

Gatti destacou a formação sólida e articulação com redes de ensino

A professora Gatti ressaltou que a Resolução representa um avanço ao estabelecer um núcleo comum de 880 horas de fundamentos, garantindo identidade profissional e superando a fragmentação histórica das licenciaturas. Ela destacou a importância da cooperação entre universidade e escolas, afirmando que parcerias reais substituem a lógica de imposição unilateral.

Gatti afirmou ainda que a formação não pode permanecer ancorada em modelos do passado: “é preciso integrar teoria e prática desde o início, superar burocracias que engessam estágios e acompanhar mudanças contemporâneas nos modos de aprender”.

Curi apresentou o contexto político, os desafios institucionais e a necessidade de reorganização dos currículos nos cursos de formação de professores

Como relator da Resolução, o professor Curi expôs o percurso político e técnico que resultou no novo documento. Reforçou que a Diretriz só terá impacto se as universidades reorganizarem seus currículos de maneira integrada, evitando a segmentação entre departamentos e assegurando que estudantes sejam formados para serem professores, e não apenas especialistas disciplinares.

Ele também chamou atenção para a precarização da carreira docente e dos riscos de manter currículos sem sentido, que afastam estudantes e contribuem para a evasão em áreas como Física, Matemática e Filosofia.

Amaral enfatizou a importância da integração, competência profissional e políticas de Estado

A professora Amaral, com experiência na área médica e na gestão universitária, destacou a importância de definir claramente o que o egresso deve ser capaz de fazer — conceito que deve ser inspirado em “atividades profissionais confiáveis”. Para ela, a formação docente precisa contemplar postura profissional, comunicação, integração teoria–prática e desenvolvimento docente contínuo.

Amaral lembrou que o Conselho Estadual de Educação depende da articulação com diferentes secretarias e cobrou um plano estadual de desenvolvimento da educação superior que envolva as universidades públicas de forma estratégica.

Críticas recorrentes: valorização docente e diversidade

Tanto Varani quanto Gatti enfatizaram que a Resolução não vincula a reforma curricular às políticas de valorização da carreira docente, diferentemente da Resolução de 2015 (Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015). Ambas destacaram que a ausência de medidas estruturantes pode reduzir o impacto da norma. Outro ponto sensível é a insuficiência de orientações sobre diversidade, direitos humanos e realidades regionais, que deveriam ser centrais em um país marcado por desigualdades.

Segunda reunião no CEE–SP: expectativas de ajustes

Após o evento, uma segunda reunião ocorreu em 29 de outubro, no Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP), com a presença das Conselheiras Rose Neubauer e Eliana Amaral, integrantes da Câmara de Educação Superior além de representantes das Coordenações dos Cursos de Licenciatura da Unicamp, da Comissão Permanente de Formação de Professores (CPFP) e da Assessoria da Pró-Reitoria de Graduação da Unicamp.

Esse encontro expôs pontos críticos na aplicação da Deliberação CEE nº 232/2025, que estabelece as diretrizes complementares para a formação inicial em nível superior de profissionais do magistério no sistema de ensino paulista, alinhada à Resolução CNE/CP nº 04/2024, especialmente no que diz respeito ao estágio supervisionado nos cursos de licenciatura.

As professoras Varani e Lins, participantes da reunião, questionaram a interpretação de que o estágio deve ocorrer em todos os semestres, entendimento que, segundo as conselheiras presentes, decorre de uma leitura mais rígida desta Resolução. Entretanto, houve reconhecimento de que tal exigência não corresponde ao texto da norma federal e que uma revisão da deliberação é necessária, já que a forma atual tem gerado insegurança e impacto direto na organização dos cursos.

Outro impasse debatido diz respeito à compreensão sobre o início do estágio nos cursos com Área Básica de Ingresso (ABI). A interpretação de que o estágio só poderia começar a partir do segundo ano do Curso de Licenciatura, não corresponde ao funcionamento dos cursos da Unicamp, onde a escolha entre bacharelado e licenciatura ocorre, a partir do próprio percurso formativo, e não como modalidade de entrada.

Entre os pontos de preocupação estão a obrigatoriedade das 400 horas de estágio exclusivamente em escolas, a indefinição sobre a formação de gestores escolares e as incertezas quanto à distribuição das horas previstas nos núcleos curriculares.

Segundo a professora Varani, a reunião permitiu esclarecer dúvidas sobre pontos sensíveis do texto da Deliberação CEE nº 232/2025. Um deles, em especial, tratava da interpretação sobre o oferecimento de estágios supervisionados em todos os semestres dos cursos de licenciatura, considerada inviável pela professora, para cursos noturnos e atendimento da demanda pelas IES.

Houve indicativo do Conselho de que ajustes no texto poderão ser realizados, embora algumas mudanças encontrem limite na Resolução CNE/CP nº 4 de 29 de maio 2024, que baliza diretamente com a Deliberação CEE 230/2025 – que dispõe sobre a tramitação dos processos referentes aos cursos de licenciatura, no âmbito do Conselho Estadual de Educação, considerando a necessidade de adequação à Resolução CNE/CP 4, de 29 de maio de 2024.

No caso da FE-Unicamp, a temática foi abordada em reunião da Congregação realizada em 29 de outubro de 2025 quando se elaborou uma proposta referente ao estágio supervisionado junto à Comissão Permanente de Formação de Professores e Comissão Central de Graduação/Pró-Reitoria de Graduação e segue em debate para ser finalizada e apresentada em fevereiro de 2026.

A professora Jeffrey considera imprescindível o debate sobre os impactos da nova Resolução em questão para que não haja danos na área educacional, seja por parte dos discentes, dos docentes ou mesmo da Unidade. “Estamos estudando e debatendo sobre quais são os caminhos mais adequados para a mudança acontecer com o menor impacto possível”, ressaltou.

A expectativa, de acordo com Varani, é positiva: “Estamos com boas perspectivas de que alterações necessárias sejam feitas”.

Entre oportunidades e riscos

Na avaliação do Coordenador de Licenciaturas da FE-Unicamp, Prof. Dr. André Luiz Correia Gonçalves de Oliveira, a Resolução pode representar uma janela histórica para fortalecer as licenciaturas. Ele defende que as normas reforçam a autonomia desses cursos e podem até colaborar para a construção de um projeto de autonomia das licenciaturas em relação aos bacharelados e reafirma a necessidade de um investimento na contratação de servidores técnico-administrativo (Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão – PAEPE) e docentes em número adequado para atender às novas demandas.

Conclusão: entre avanços, incertezas e disputas

A nova Resolução impõe desafios institucionais, logísticos e pedagógicos que exigem planejamento, investimento e cooperação entre universidades e redes de ensino. O debate conduzido na FE-Unicamp mostrou que a formação docente envolve um projeto formativo, no qual as diretrizes nacionais precisam dialogar com condições reais de trabalho, financiamento e carreira.

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