Roberta Rabello Fiolo Pozzuto | Atualizado em 30/05/2022 - 11:22 Notícia

Profa. Gabriela Tebet lança livro "Giro Epistemológico para uma Educação Antirracista"

Capa do livro Giro epistemológico para uma educação antirracista

DETALHES: 

Título: Giro Epistemológico para uma Educação Antirracista

Autoria: Ellen Souza; Sidnei Nogueira; Gabriela Tebet [Orgs.]

Editora: Pedro & João Editores

Ano: 2022

Idioma: Português

ISBN: 978-65-5869-677-3 [impresso] | 978-65-5869-678-0 [digital]

Páginas: 581

Formato: Impresso (16 x 23 cm) e Digital

Vendas e mais informações, direto no site da Editora: https://pedroejoaoeditores.com.br/site/loja/g-i-r-o-epistemologico-para-uma-educacao-antirracista/

 

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PREFÁCIO

(Kiusam de Oliveira)

Apesar das pisadas de tuas botas, subsisto. Renasço, bravamente. Insistente, não me calo e disparo saliva se me ataca, revido a tua obra, que é viciada, esperneio ferozmente se me dá tapa. Na tua fuça, cuspo se como bola preta me encaçapa. (Kiusam de Oliveira)

A obra Giro Epistemológico para uma Educação Antirracista chega como um bálsamo capaz de espalhar humanidade entre os povos, curando feridas abertas causadas por toda barbárie vivida no mundo provocada pelo racismo, sexismo, necropolítica, negacionismo, xenofobia etc. Tal cura está diretamente ligada à possibilidade de provocar deslocamentos necessários do olhar, pensar e agir sankofamente, isto é, apresentando textos que retratam a necessidade urgente de voltar para casa, no passado, e trazer de lá conhecimentos fundamentais para o restabelecimento de uma ética humana, no presente. Você pode me perguntar a que casa me refiro? E, certamente, eu lhe responderei “Eu me refiro a nossa casa ancestral – África, o Berço da Humanidade”. E que passado é esse? Eu me refiro ao passado ancestral, que remonta a bilhões de anos atrás, quando o planeta Terra foi gerado e tudo nele começou a nascer, tendo o solo africano como testemunha.

Tal cura nesses moldes parece uma tarefa ousada, mas ela é tão somente justa e necessária, a fim de ampliar a nossa consciência a respeito do valor inestimável do continente africano. Nesse sentido, redimensionar o continente africano à centralidade do planeta é a ginga necessária para se compreender todo o racismo estruturado secularmente pelo mundo, em torno do continente africano, entendendo profundamente o motivo de a intelectualidade europeia, ainda que caçula, estimular o mundo a pensar África a partir de eventos recentes, em termos de linha histórica, como a escravidão e/ou a colonização, desprezando todo o protagonismo histórico desse continente, com reais consequências desta forma limitada, limitante e criminosa de pensar e agir sobre África, espalhadas amplamente pelo mundo, inclusive no Brasil.

O que temos aqui é uma obra de resistência coletiva: movimento epistemológico negro que ganhou muita força nos últimos anos, reafirmando a necessidade de que ter Consciência Negra não é suficiente para provocar deslocamentos teóricos e práticos necessários aos avanços reais e transformadores da sociedade brasileira, se ela não estiver apoiada na consciência da urgência da centralidade do continente africano em relação ao mundo. Para tal feito, por exemplo, ler Cheikh Anta Diop, historiador senegalês, torna-se fundamental para quem pretende pesquisar e/ou falar sobre agência e agenciamento, pois aqui o que está em jogo é a urgência em reescrever a história sobre o protagonismo negro africano e seu legado na diáspora.

São apresentados aqui 36 textos das mais diversas áreas, como saúde, literatura, artes, educação, dança, matemática, biblioteconomia, filosofia, pedagogia e temas como Orixá, infância, memória, escrita, política pública, corpo, identidade, performance, subjetividade, que se encontram e se conectam sem estranhamentos e gritam: DIGNIDADE! Aqui, pesquisadoras e pesquisadores soltam suas vozes, reafirmando que as práxis científicas lambuzadas de dendê e de ancestralidade não são menos viáveis ao universo acadêmico, ao contrário, pois o que se revela são tantos jeitos de fazer, de ser, de estar em grupo e na circularidade de cruzos possíveis e criativos, de cismas que precisam e devem ser compreendidas academicamente como caminhos para transcendências de um fazer científico espiritual inseparável de uma espiritualidade científica.

Entendo que África nos deixou como legado essa forma tão incompreendida, porém magnífica de viver a ciência e a espiritualidade imbrincadas em uma irmandade que não se separa, que se recobre de uma complexidade incompreensível aos olhos dos povos ocidentais e que muitas e muitos de nós estamos há décadas tentando, a partir do falar e agir através de práticas descolonizadoras desde dentro, deixá-las parcialmente decifráveis, sendo que o parcialmente é o grande tombo, nossa maior idiossincrasia. E tudo feito com respeito profundo à conexão com o todo universal: com os átomos, com os prótons e elétrons, com a física quântica, com a terra, a água, o ar, o fogo, o éter, com a energia e os seres da natureza, com a astronomia e a astrologia, com a engenharia e arquitetura, com a física e a matemática, com a oralidade e a escrita, com a filosofia e a medicina, com a cosmogonia e a cosmologia etc., que nossos brilhantes ancestrais pesquisaram e deixaram, inclusive por escrito, através de diversos registros, todos os seus passos e seus legados. Aqui, o grito é de VIDA!

Ellen Souza, Sidnei Nogueira, e Gabriela Tebet, como organizadoras e organizador dessa obra, atendem a uma solicitação do Tempo que vivemos e grita por comprometimento com o legado ancestral africano e negro-brasileiro, em prol das experiências intelectual, corpórea, sensorial e espiritual tão necessárias de serem feitas com os pés no chão, percorrendo as encruzilhadas de terra vermelha, em uma mão segurando uma caneta e na outra, uma adaga. O caminho trilhado nas brechas e ranhuras nos coloca como sentinelas e se dá como preparo discreto do grande levante que se realizará através dos banhos de ervas e unguentos, das curas e adoxus, dos ebós e comidas sagradas, dos tabus e quizilas, dos ofós e encantamentos, da cantigas e rezas, dos atabaques e xequerês, das corporeidades e danças, dos sons e silêncios: quando perceberem, a educação antirracista fundamentada em práticas afrocentradas já terá conquistado a educação brasileira, somente porque não estamos sozinhos nessa jornada.

É preciso que se tenha registrado, como as curas nos corpos, que muitas e muitos como nós já traçaram científica e espiritualmente nossos caminhos em tempos imemoriais e, só por isso, estamos capacitadas e capacitados a dar esse giro, que não é só epistemológico, longe disso: esse giro já estava registrado em nosso DNA e nas encruzilhadas de Exu, nos caminhos de Ogum, nas espumas de Iemanjá, no vendaval de Oyá, na flecha certeira de Oxóssi, na justiça de Xangô, no espelho mágico de Oxum, no ar de Oxalá enfim, em todas as virtudes mais virtuosas do sagrado que habita nossa grande mãe, África.

Vou desenhar. Na brecha, no veio do concreto, broto.
Renasço, ainda que rastejante, minúscula. Me esgueiro, matreira.
Sei que sou semente boa, erva curandeira. Trepo e multiplico. Alvissareira.
Sou vida! Sou vida! Sou vida! E em todas as brechas recrio-me,
multiplico-me, fertilizo-me, reencanto-me. Só porque sou pura teimosia, insisto em ser verde, não amadureci ainda e assim, vivo para te afrontar.
Mesmo que eu morra a cada segundo muito mais do que viva, impossível não lutar pelas pretas vidas que somos, hiatos humanos que nas brechas brotamos, pois nos importamos.
Nas suas ranhuras, branco, daqui das brechas, reverto o teu espelho: ainda te ensino a ser humano

(Kiusam de Oliveira)