No último domingo, 21/05/2023, o jogador Vinícius Jr., do Real Madri e da Seleção Brasileira de futebol, foi novamente vítima de violento ataque racista, desta vez no estádio do Mestalla, na cidade de Valencia, durante a partida entre Real Madri e a equipe local. Na realidade, os ataques começaram antes mesmo do jogo, com um boneco com a camisa, o nome e o número de jogador sendo pendurado em um viaduto, como se estivesse enforcado. Durante a partida, diversos torcedores enfurecidos gritaram repetidamente e em coro: “mono” que, em espanhol, significa macaco. O brasileiro chegou a apontar os criminosos para o árbitro, que paralisou a partida por alguns minutos. Quando o jogo recomeçou, porém, os insultos continuaram e, ao final, para agravar ainda mais a situação, os racistas foram premiados com a expulsão do brasileiro, por ter reagido às provocações e agressões dos adversários e dos torcedores. Como é de costume, a culpa e a pena recaem sobre a vítima.
O xingamento de “macaco” visa desumanizar, animalizar, desalmar. É o mesmo subterfúgio historicamente usado pelo colonizador branco europeu para justificar o extermínio dos povos nativos colonizados.
O crime do último domingo foi, pelo menos, a décima vez em que o brasileiro foi atacado em estádios. Mas podemos conjecturar que tenha havido muitas outras que, provavelmente, os mecanismos de defesa mobilizados por seu inconsciente o impediram de contar. Nas vezes anteriores, a maioria dos casos foi arquivada ou segue tramitando em juízo. Porém, nenhum clube, jogador ou torcedor foi efetivamente responsabilizado. Predomina a impunidade que alimenta e fortalece o racismo.
Mas Vini Jr, jovem negro, de apenas 22 anos, estrangeiro, não se intimida. Ao contrário, denuncia, reage e enfrenta seus agressores, com lucidez, coragem, inteligência, elegância e firmeza. Logo após o ocorrido, tuitou:
“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”.²
O caso é de extrema gravidade e exige ação enérgica das autoridades espanholas e brasileiras, que levem à punição exemplar de todos os envolvidos, seja por ação, seja por omissão. Mas sabemos que ele só ganhou tamanha repercussão por envolver equipes de uma liga milionária de futebol e ter sido assistido ao vivo em escala planetária. Longe das câmeras, dos estádios suntuosos e, principalmente, da riqueza produzida pela mercantilização do esporte, o racismo segue castigando e violentando corpos, mentes e corações de pessoas negras, predominantemente jovens, nas periferias de todo o mundo. Racismo que se expressa de inúmeras formas: das mais explícitas e cruamente violentas às mais sutis e dissimuladas que ferem a alma a conta-gotas.
Como combater esse racismo estrutural, institucional, difuso e impregnado nas sociedades em geral? Certamente, é preciso punir com rigor os que praticam esse crime. Mas isso não basta. Como o próprio Vini Jr. sabiamente adverte, em um vídeo histórico de 2022³ , no qual encontramos a frase incorporada ao título deste texto, o racismo está em toda a parte, e o caminho para sua erradicação passa necessariamente pela educação, pois é preciso preparar as novas gerações para combater racistas e xenofóbicos.
Uma das medidas necessárias para viabilizar esse preparo é dando efetivo cumprimento ao disposto no Artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que, incorporando as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e das culturas afro-brasileira e indígena em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, do País.
No entanto, apesar dos 20 anos dessa obrigatoriedade, na esmagadora maioria das escolas a lei não é cumprida. Pesquisa realizada em 2022 pela Geledés Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana, intitulada “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, mostrou que, das 1.187 secretarias municipais de educação pesquisadas, 71% descumpriam totalmente ou cumpriam apenas parcialmente essa determinação, realizando ações pontuais e pouco estruturadas.⁴
É urgente, portanto, que o Ministério da Educação, os Conselhos Federal e Estaduais de Educação, as secretarias municipais e estaduais de Educação, o Ministério Público, as assembleias legislativas, enfim, os poderes constituídos, sejam pressionados pelos setores progressistas da sociedade civil, para que tomem as providências necessárias ao efetivo cumprimento da legislação e dos direitos das pessoas negras e indígenas.
As Universidades, particularmente as públicas, também têm um papel decisivo nessa luta e uma grande responsabilidade na viabilização do cumprimento dessa lei. São elas as responsáveis por formar os professores que atuarão na educação básica. No entanto, ainda são raríssimos os cursos de licenciatura que preparam adequadamente os futuros educadores para o ensino das culturas africana e indígena. Para tanto, é preciso que TODOS esses cursos, de TODAS as áreas do conhecimento, tenham em seus currículos disciplinas relacionadas especificamente a essa temática e professores especialistas para ministrá-las com o devido rigor. Só assim poderemos ter professores de História, Matemática, Língua Portuguesa, Literatura, Geografia, Filosofia, Sociologia, Artes, Educação Física, Química, Biologia, Física, enfim, de todas as matérias do currículo escolar, sensibilizados para a necessidade do ensino das relações étnico raciais e comprometidos com uma educação antirracista.
Como diz a Professora Emérita da Universidade Federal de São Carlos, Petronilha Gonçalves e Silva. “para reeducar as relações étnico-raciais de forma a combater o racismo, seria necessário conhecer, estudar, aprender sobre a história e cultura dos povos que vieram da África e sobre a história e a cultura que produzem seus descendentes”.⁵ Naturalmente, o mesmo se aplica ao ensino das culturas dos povos indígenas do Brasil e da América Latina.
Enfim, como bem compreendeu e salientou Vin Jr., o racismo tem que ser cortado pela raiz e isso não se dará sem uma forte ação educativa, em todos os níveis escolares. Por sua vez, não haverá uma escola básica antirracista sem o efetivo engajamento da Universidade na formação de professores comprometidos com essa causa. Ouçamos, portanto, com atenção, nós que atuamos no ensino superior, as sábias palavras e o exemplo do jovem negro e craque brasileiro.
¹Mensagem lida pelo Diretor da Faculdade de Educação, Prof. Renê José Trentin Silveira, na 373ª. reunião ordinária da Congregação, em 24/05/2023.