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Maria Júlia Buck Rossetto | Atualizado em 15/03/2024 - 16:54 FE Publica

Ensinagem, aprendizagem e transformações: trajetórias de uma pedagoga em formação


     Essa é uma edição de minha reflexão final construída para a disciplina de Metodologia do Ensino Fundamental (EP153), ministrada pela Profa. Dra. Adriana Varani no ano de 2023. 

     Somos inconclusos por essência, estando permanentemente em caminhos de ensinagem e aprendizagem. Nossos corpos carregam múltiplos significados, posicionamentos, identidades. Ao pensarmos sobre nossa existência no mundo, nas relações que estabelecemos e nas práticas que assumimos enquanto professores, precisamos ter em mente a pequenez de nossas certezas absolutas sobre nós e os outros, bem como a grandiosidade dos encontros e dos acontecimentos que se desdobram destes movimentos. 
     É necessário respeitarmos e não nos impormos. É importante construir e não apagar o protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. A construção de uma pedagogia conscientemente preocupada com a liberdade dos educandos consiste em responsabilidade de ações, compreensão de atos e decisões de trajetórias plurais. Ninguém pode conhecer por ninguém. Respeitar a leitura do mundo do educando é essencial para a inteligibilidade dos sujeitos, reconhecendo a historicidade e o processo de construção do saber. Reconheço que uma educação democrática, emancipatória e mergulhada nos afetos e sentidos, parte do pressuposto de que as relações estabelecidas no decorrer da escolarização devem ser pautadas em um diálogo amplo, aberto e que favoreça as existências individuais, a autonomia e a construção de um senso crítico coletivo acerca das diversidades de vivências cotidianas, promovendo sujeitos que são capazes de aprender e ensinar e com isso construir um novo mundo que seja de interesse da diversidade (hooks, 2020; Freire, 2020).
      A relação com o conhecimento, mais do que a própria relação pedagógica é a relação com os aprendentes, que desenha diferentes perfis e cuja sequência constitui a história do saber docente. Neste sentido, creio que seja necessário nos afastarmos de uma crise estrutural de nossa identidade docente, construída historicamente com base em alicerces assimétricos, opressores e conservadores. Para tanto, é imprescindível nos atentarmos às possibilidades e potencialidades existentes não em uma figura autoritária, rígida e fria, mas sim, mas em uma identidade construída coletivamente, em consonância com o protagonismo dos sujeitos pertencentes à relação educacional, e comprometida com posicionamentos e ideais libertários e democráticos. 
Entendo que essa docência do “possível” deve ser promovida de uma escuta sensível, atenta às singularidades do fazer pedagógico, bem como imersa em diálogos inerentes à diversidade do processo educativo. É importante mantermos nossa essência de eterno aprendiz, para não cairmos em perigosos reducionismos e reprodutivismos acerca de nossa prática e identidade docente. 
     Apenas nos adaptarmos não significa que de fato, somos humanizados. É necessária a capacidade de intervir e não somente de adaptação à realidade. Sermos sujeitos ativos. Vivenciarmos o espaço e nossa infinitude docente evidencia nossa vocação ontológica do ser mais (Freire, 2020), de sermos potencialmente agentes transformadores. A superação de uma educação bancária (Freire, 2020), acima de qualquer imposição mercadológica e conservadora perpassa nosso posicionamento, a assumida de uma educação em seu caráter político, bem como a tarefa político-pedagógica de nós enquanto educadores, no cerne de nossas existências. Ainda segundo o autor, é necessário recusarmos fatalismos, preferirmos a rebeldia que confirma a existência humana, provando que somos maiores, mais fortes e mais resistentes do que os mecanismos e estruturas que permanentemente nos minimizam. Todas as decisões e posicionamentos fazem parte de nossas escolhas, que devem ser claras e coerentes com nossa prática (Freire, 2020). Sendo sujeitos inconstantes, questionadores e comprometidos com as existências e vivências múltiplas de corpos e perspectivas plurais, materializamos em nossa essência os compromissos firmados, ideologicamente travados, e que estabelecem discursos comprometidos com a mudança de um futuro historicamente e espacialmente problemático. 
     Segundo Caldart (2004), ao se referir a Pedagogia dos Sem Terra, a educação pode ser mais do que educação e a escola pode ser mais que a escola. Creio que, as experiências formadoras são muito mais do que momentos, são acontecimentos: aqueles que marcam, que transformam, que mobilizam sentimentos e memórias e reconstruem nossas narrativas, por mais que estivessem guardadas em vazios esquecidos da memória. Enquanto seres no mundo, somos imersos em transformações. Mudar faz parte de nossa essência. Envolvidos em um eterno processo de devir, criamos vínculos, vivências e reacendemos nosso esperançar. 
     Passeando por lembranças do decorrer deste semestre e imersa em memórias bastante doces e prazerosas, creio que as marcas que ficam após os encontros desta disciplina são bastante profundas, potentes e mobilizantes. Saio com muitos questionamentos, o que não me deixa nem um pouco desconfortável, pelo contrário: me despeço destes encontros com muito mais certeza do que entrei. Sei que sou incompleta, reconheço meus erros, valorizo meus acertos, relativizo minha postura e compreendo a força de minha identidade em eterna construção. Encontrei parceiros, formei redes, me aninhei em diferentes colos. Cresci, reconheci e ressignifiquei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 63. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2020. 143 p. 

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo, SP: WMF Martins Fontes, 2017. 283 p.