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Maria Júlia Buck Rossetto | Atualizado em 15/12/2021 - 10:09 FE Publica

Notas de uma ingressante: no caminho da Pedagogia para significar minha Paideia

 

Tomo a liberdade de realizar esta breve reflexão através da narração em primeira pessoa, uma vez que assumo que tudo que for relatado aqui traz consigo uma série de memórias, significações e subjetividades inerentes à minha constituição enquanto sujeito, e portanto, não estarão isentas de posicionamentos e sentimentos decorrentes da minha própria identidade, seja como mulher, estudante, professora. 

Compreendo que o tempo, assim como o espaço, são abertos. Penso que este pressuposto é essencial para internalizar que, enquanto sujeitos sociais e dotados de interseccionalidades e pluralidades múltiplas em nossas existências, temos a capacidade inata de transformarmos nossa realidade e, consequentemente, nossas projeções futuras. A partir disso, penso que o aprendizado deve ser encarado como essencial na manutenção individual e coletiva, uma vez que, nesta abertura espaço-temporal, estamos em um eterno fazer do aprender. 

Nas potentes possibilidades desenhadas no decorrer de minha trajetória aberta, penso que aquela com maior impacto definitivamente foi a assumida identitária enquanto professora.

Apesar dos percalços, a educação entrou de forma bastante efetiva em minha formação. Na verdade, recentemente passei a identificar que ela sempre esteve comigo, mesmo em minhas negações quanto a sua presença. Relembrando algo que o que o amável Professor César Nunes sempre mencionou desde o primeiro encontro com nossa turma, “o homem é um ser que aprende”. Nós somos abertos em nossas identidades, através do aprendizado traçamos caminhos e tecemos críticas e problemáticas acerca daquilo que nos marcou, do que nos toca nos presente e nos incomoda ao pensar sobre o futuro. E foi por meio destes encontros que finalmente assumi que para me identificar enquanto professora, tive que aprender com minhas memórias doces e amargas, com meus afetos e desavenças, com meus erros e acertos. 

Nos questionamentos que mais me mobilizaram acerca de minha existência docente estava o fato de não compactuar com a atual estrutura escolar. Ao refletir sobre as desigualdades, marginalizações e reproduções opressoras no que diz respeito ao ensino brasileiro, por muitas vezes me sentia incapaz de compreender as dimensões sócio, históricas e espaciais da amplitude estruturante da escola, bem como das diversas concepções de educação. 

Ao me deparar com estes entraves, me sentia presa ao tentar iniciar caminhos possíveis de transformação de minha prática, e consequentemente, das relações inerentes ao espaço escolar. Como propor um futuro se meu incômodo presente não trazia consigo elementos do passado? Como questionar uma instituição se eu continuava patinando nos conceitos constituidores do pensamento educacional? 

Em 2021, depois de uma Graduação finalizada, um Mestrado em vias de término e aproximadamente seis anos de experiência docente, finalmente comecei a traçar meu próprio caminho na descoberta de qual a proposição de Paideia¹ possível em um projeto de sociedade transformadora, traçando pensamentos acerca dos ideais educativos pretéritos. 

Creio que algo que começa a se desenhar em minhas reflexões reside no fato de que a escola enquanto instituição possui sua existência intrinsecamente excludente, seguindo propósitos estabelecidos por projetos de sociedades específicas. Neste sentido, a instituição pode ser encarada a partir de uma origem privada, como um instrumento de dominação de classes, em diferentes contextos históricos e espaciais. Dessa forma, a escola tende a se estruturar de maneira a manter a reprodução do privilégio. E obviamente, aqui falamos da manutenção de relações de poder violentas e opressoras. 

Reflito sobre isso pelo amargor de minha trajetória enquanto estudante do ensino básico, que foi permeada pelo controle dos corpos. Minha identidade foi minada por regras e valores impostos por uma escola que violentamente coagia os sujeitos de maneira a podá-los em prol de uma “disciplinarização das existências”. Evidentemente, a pedagogia tecnicista, o estabelecimento de um biopoder predatório, o medo constante acerca das relações entre estudantes e professores e a tentativa de alienação juvenil no que diz respeito às problemáticas sociais e cotidianas claramente nunca representou de fato o que eu acredito enquanto um projeto de Paideia. 

Por entre concepções, trajetórias e transformações pedagógicas que pude ter o contato no decorrer do meu primeiro ano enquanto ingressante de Pedagogia da UNICAMP, consegui finalmente iniciar o reconhecimento das origens, das críticas, das disputas e da evolução do que hoje vivencio, seja como estudante ou como professora.  Porém, peço licença mais uma vez para não me aprofundar nestas temáticas, uma vez que ainda me sinto imatura para traçar um diálogo entre as referências apresentadas no decorrer desta primeira jornada. Talvez eu volte a escrever quando estiver próxima à linha de chegada. 

Enfim, depois de toda esta reflexão, me deparo novamente com a pergunta: “qual é o projeto de Paideia possível, em minha concepção enquanto educadora e estudante?” Bom, a resposta mais sincera é: não sei! Mas a partir de agora a minha não certeza não traz incômodos, mas sim a renovação das energias questionadoras, das possibilidades propostas, das reflexões críticas. Por que fincar certezas sólidas, se minha existência está em contínua fluidez?

Contudo, a abertura de possíveis projetos educacionais e de sociedades transformadoras não anula de forma alguma o meu posicionamento de defesa de uma educação construída através dos afetos, do diálogo, da autonomia dos indivíduos. Pensando na continuidade da transformação histórico e espacial através das ações dos sujeitos, creio ser necessário defender a integridade, a pluralidade e as totalidades das identidades, de forma que através da emancipação por meio da amorosidade e da subjetividade dos sentidos de aprendizado, a Paideia, bem como a sociedade como todo, estejam abertas e passíveis de transformações. 

Em meus 27 anos de existência, creio que mais do que nunca clamamos por rupturas. O adoecimento da sociedade é evidente: ciclicamente passamos por crises e problemáticas profundas, decorrentes de um sistema predatório, violento, opressor. A defesa de mudanças individuais e coletivas é uma pauta que frequentemente aparece em meus pensamentos, discursos e ações, mas sinto que após meu ingresso no curso de Pedagogia, as convicções passaram a ser cada vez mais endossadas. Sinto que não estou sozinha, finalmente, pertenço a um projeto de sociedade, de educação. E não por acaso, este pertencimento vem se estruturando através do afeto, através do amor. 

 

Notas

¹ Define-se aqui o conceito de Paideia como “ideal educativo, concepção de educação, de formação para vida inteira e de cultura''. Trecho do texto Paideia Grega e a Escola do alfabeto, do Professor Cesar Nunes (2021). 

 

Referências 

NUNES, C. A. Paideia Grega e a Escola do alfabeto. 2021.