Roberta Rabello Fiolo Pozzuto | Atualizado em 23/11/2018 - 09:37 Publicação

REVISTA FERMENTARIO - v. 2, n. 8 (2014) ESPIRITUALIDAD, FILOSOFIA Y EDUCACIÓN / ESPIRITUALIDADE, FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

Periódico
Data
Volume
2
Número
8

Apresentamos o segundo volume do número 8 da Revista Fermentario. Esta edição está composta por três sessões; Dossiê; Miscelâneas; Tradução.

A sessão Dossiê apresenta a segunda parte do tema “Espiritualidade, Filosofia e Educação”, somando mais nove artigos aos quatro já publicados na edição anterior. Vale lembrar que a sessão dossiê está sendo mobilizada pelos temas anuais de trabalho do Projeto de Cooperação Internacional entre a UDELAR e a UNICAMP, intitulado “Da Filosofia à educação: cuidado de si, conhecimento de si, inquietude de si”, financiado no Brasil pela CAPES e no Uruguai pela UDELAR, e centrado no estudo dos textos do “último Foucault”. Neste contexto, o tema recortado para 2013-2014 foi o tema da espiritualidade e o que ele mobiliza para repensar a filosofia da educação tal como a conhecemos.

A proposta do dossiê foi assim caracterizada, na chamada pública de artigos:

Dentre os vários temas e as problematizações que as pesquisas de Michel Foucault suscitaram ao redor da cultura do cuidado de si, a questão da espiritualidade se destaca. No curso ministrado no Collège de France, em 1982, denominado de A hermenêutica do sujeito, a espiritualidade é concebida como a transformação do modo de ser do sujeito por ele mesmo. Perpassando uma cultura filosófica milenar, dos séculos V a.C até os séculos IV-V d.C, o fundo que mobilizava a espiritualidade eram os modos pelos quais, por intermédio de uma tékhne toû bíou– uma arte de viver – um sujeito poderia ter acesso à verdade, ao mesmo tempo que se constituía e se transformava com a prática da verdade.

Em tal conjuntura, a verdade jamais era dada de pleno direito ao sujeito. Tampouco era garantida por um ato de conhecimento. O acesso do sujeito à verdade estava atrelado à sua capacidade de modificar-se e de transformar-se. Assim, em primeiro lugar, o sujeito se constituía na medida em que pagava um preço transformador para atingir um modo de ser. Para tanto, em segundo lugar, eram convocados formas diferentes de exercícios e de práticas de atividades ou de técnicas para garantir a transformação do sujeito. Finalmente, a constituição do sujeito emergia da sua condição subjetiva enquanto consequência de sua relação com a verdade e com as práticas que transitavam sobre ele, que o atravessavam, transfigurando-o. Com efeito, “para a espiritualidade, um ato de conhecimento, em si mesmo e por si mesmo, jamais conseguiria dar acesso à verdade se não fosse preparado, acompanhado, duplicado, consumado por certa transformação do sujeito, não do indivíduo, mas do próprio sujeito no seu ser de sujeito”, argumentou Foucault na aula de 6 de janeiro de 1982.

Para nós, modernos, a o que dá acesso à verdade, contudo, passou a ser o conhecimento e tão somente o conhecimento. Desde então, o sujeito é capaz, em si mesmo, e unicamente por seus atos de conhecimento, de reconhecer a verdade e a ela ter acesso. Na modernidade, aprendemos a ter domínio sobre as coisas e sobre os outros, mas não mais sobre nós mesmos. Estamos longe de uma transformação de nós mesmos e nos distanciamos, cada vez mais, do preço que temos de pagar para nos implicarmos em qualquer transformação.

O objetivo deste dossiê é pensar e refletir acerca do contexto da espiritualidade tal como Foucault concebeu, trazendo o debate para o campo da filosofia e da educação. Como seria possível o tema da espiritualidade nos auxiliar a deslocar o pensamento e as experiências de constituição de subjetividades para além do centralismo e da captura do ato de conhecimento modernos? Em que medida as dimensões conceituais e de experiência da espiritualidade podem nos auxiliar a pensar relações de transformação de nossa constituição subjetiva? Seria a espiritualidade um exemplo acerca da impossível separação entre teoria e prática, no que concerne as verdades que estão implicadas nas experiências educativas? É possível fazer das experiências com o pensamento e com a educação uma experiência espiritual? Quais seriam as implicações da espiritualidade para a nossa relação com a verdade, com a nossa constituição, com o que fazemos, pensamos e somos?

O dossiê está composto por textos que foram enviados por pesquisadores do Brasil, do Uruguai, do Chile, da Colômbia e da Itália, apresentando uma diversidade de aportes sobre o tema. O foco central é, de fato, a filosofia pensada por Michel Foucault, mas vemos uma multiplicidade de leituras e também diferentes abordagens por outros autores.

Na sessão Miscelâneas, apresentamos um conjunto de mais sete artigos, sobre temas variados: o ensino da filosofia; a alienação nos processos educativos; a pesquisa educacional pensada no registro das filosofias da diferença; uma comparação da escola moderna com a escola antiga; a filosofia da educação pensada como teoria e prática; as variações da aprendizagem e como elas são tematizadas na escola; a educação chilena lida no registro da matriz biopolítica. Uma vez mais, diversidade de temas, de autores, de nacionalidades: brasileiros, argentinos, chilenos.

Por fim, a sessão Tradução traz um artigo de Salvo Vaccaro, professor da Universidade de Palermo, Itália, traduzido do italiano por María José Gomes. Vaccaro e Viviana Segreto (também professora na mesma instituição, cujo artigo centrado em Wittgenstein e Foucault está na sessão Dossiê), estiveram na Faculdade de Educação da Unicamp em maio de 2014 e gentilmente disponibilizaram os textos que prepararam para suas conferências para tradução e publicação, contribuindo para alargar os horizontes de nossa revista, agora em diálogo com pesquisadores italianos.

Esperamos que os leitores possam encontrar nos textos ora publicados por Fermentario provocações ao pensamento e que sejam fontes de inquietação, mobilizando seus próprios “exercícios espirituais” na direção de uma filosofia da educação aberta à vida e aos problemas cotidianos.

Prof. Dr. Sílvio Gallo (Unicamp) e Prof. Dr. Alexandre Filordi de Carvalho (Unifesp)

http://www.fermentario.fhuce.edu.uy/index.php/fermentario/issue/view/11