Este número da Pro-posições começou a ser organizado nos dias que antecederam os eventos de 11 de setembro último.
Neste dia, preparava-me para vir à faculdade, quando me dei conta de que, mais que antes, todos viam, ao mesmo tempo, imagens que inicialmente pareceram-me ficção. Torres gêmeas, AQUELAS, atravessadas por aviões que explodiam. Mais que nunca, confidenciei aos meus botões a estranheza e o mal-estar diante de tão completa submissão à TV- como era possível, em horário tão insólito, tanta gente assistir a um mesmo “filme catástrofe”, com tanta atenção e compulsão? A ficção tem, muitas vezes, este poder... Como em “flash”, ocorre-me à memória a frase de Adorno: “como é possível a arte, a ficção, após Auschwitz?”.
O mundo de ponta-cabeça, sem pé nem cabeça, tresloucado... Flutuando sobre a terceira margem do rio, dedálica, vôo como Ícaro. Não em busca do sol, porém em busca da ruptura entre a impossibilidade de escrever e a necessidade compulsiva de o fazer. Diante do impacto real, na flutuação do precário e do provisório, diante do horror cruento que nos arremessa cada vez mais abaixo dos níveis mínimos da dignidade, mais que nunca é preciso escrever, pintar, desenhar, dançar, cantar, para alçar vôo acima do horror, vizinho ao sol, além do céu... Mas, cada vez mais, dento da lucidez.
A Irrupção da ficção na realidade e a inversão do axioma são da ordem do efêmero. É como se, de repente, um leitor de ficção científica se deparasse com a viabilidade de através de um espaço vazio qualquer, atravessar “do outro lado”, entrar numa fenda espaços temporais, vivenciando, na prática, o que Einstein provara ser “apenas” da ordem da abstração teórica.
Este número da Revista, com um eixo temático dedicado à literatura e ao seu ensino, tenta, através dos diferentes artigos que o compõem, evidenciar a impossibilidade de se ensinar a vivência da coisa literária, transformando-a em necessidade, em carência, em urgência. Qualquer pessoa, dispondo de um mínimo de interesse e habilidade, pode ensinar e aprender conteúdos literários, mas a emergência do literário em um indivíduo não ocorre sem determinados dispositivos de intensidade, aos quais chega através de mecanismos de ensino e aprendizagem que dirigem os olhares, os interesses, as “antenas”, para esse instante único e efêmero da irrupção da ficção mo quotidiano de cada um de nós.
Elisa Angotti Kossovitch
Editorial
Elisa Angotti Kossovitch
Dossiê
Joaquim Brasil Fontes Júnior
Ediógenes Aragão Santos e Regina Maria Monteiro
Leitura e vestibular: novos horizontes
Claudete Amália S. de Andrade
Dos amores difíceis: uma leitura compartilhada na aula de Língua Portuguesa
Norma Sandra de Almeida Ferreira
Pedro Meira Monteiro
Artigos
Propostas pedagógicas ou curriculares de educação infantil: para retomar o debate
Sonia Kramer
Notícia de Suma y narracion de los Incas de Juan de Betanzos (Peru, 1551)
João Adolfo Hansen
Sebastian Donoso Díaz e Gustavo Hawes Barrios
Débora Mazza, Leila Maria Ferreira Salles e Maria Rosa R. M. Camargo
Crianças nos parques: imagens de infância
Márcia Gobbi
Educação escolar e formação do pensamento crítico: reflexões
Maria Teresinha Bellanda Galuch e Isilda Campaner Palangana
Resenhas
Professor: sem valorização, mas com vontade de transformação
Ilona Timmermans
Não brinco mais: a (des)construção do brincar no cotidiano educacional
Renata Sieiro Fernandes
A reinvenção da velhice: socialização e reprivatização do envelhecimento
Marlene Gonçalves